19.1.11

TRANSTEJO NÃO RECUA NA DECISÃO DE SUPRIMIR CARREIRAS

Apesar do aumento de cerca de dois euros no preço do passe mensal, a Transtejo (TT) não recua e mantém a decisão de eliminar cinco carreiras que no horário da manhã faziam a travessia entre o Seixal e o Cais do Sodré.

Através da empresa Unimagem, que lhe faz assessoria, o Grupo TT afirmou ao Jornal do Seixal (JS) que “o ajuste que se traduziu na redução de cinco carreiras (três no sentido Sul/Norte e duas no sentido Norte/Sul) foi efectuada na hora de ponta da manhã, porque é neste período que qualquer redução de oferta tem menor impacto para os passageiros, dadas as frequências ao longo dia e sobretudo fora das horas de ponta”.
Segundo a TT, as carreiras não foram eliminadas devido à “redução de 15 por cento dos custos operacionais impostos pelo Governo”, mas tiveram origem nas “medidas de gestão determinadas pelo Conselho de Administração”.
A supressão das carreiras causou grande revolta aos utentes e à própria Autarquia, que de imediato emitiu um comunicado onde exige a sua reposição. Apesar dos esforços tentados numa reunião técnica entre as duas instituições, a Transtejo não voltou atrás na decisão.
A Câmara Municipal do Seixal (CMS) reclama que “o actual caminho seguido em termos de política de transportes é contrário ao desenvolvimento e à qualidade de vida das populações, pois reduz a atractividade do Transporte Público em detrimento do Transporte Individual, com todos os impactos negativos em termos económicos e ambientais daí decorrentes”.

Utentes revoltados em hora de ponta

“A hora de ponta da manhã tornou-se caótica para quem diariamente se desloca do Seixal para Lisboa nos barcos da Transtejo”, lê-se no Jornal de Notícias (JS), que se deslocou à Margem Sul para assistir de perto à revolta dos passageiros da TT, cujo tempo de espera aumentou de 15 para 25 minutos.
Segundo o JS, a mudança de horários significou a alteração dos hábitos de muitos utentes, sendo que muitos ponderam já optar por outro meio de transporte.
Os passageiros reclamam o facto das viagens de barco se terem tornado um pandemónio, por estarem mais cheios e por haver maior pressa de chegar à outra Margem.

TT demarca-se de barco nocturno

Questionada pelo JS quanto à já antiga vontade da população e dos comerciantes locais – que há muito vêm fazendo pressão para que sejam impostas mais ligações fluviais no horário nocturno de forma a trazer mais gente para o Seixal – a TT não se manifestou, remetendo a resposta para um comunicado que apenas esclarece as motivações do Grupo para as ligações suprimidas.
Este é também um dos esforços da Autarquia, que exige a reposição das 5 ligações suprimidas, assim como o desenvolvimento de um estudo de satisfação dos utentes e de aumento da procura, de forma a captar mais utilizadores para o transporte público fluvial, “rentabilizando económica e socialmente os recursos públicos existentes” no Seixal.
Destaque-se que este ano não foi só o preço dos bilhetes que aumentou, também os passes estão mais caros cerca de 2€. Para poder fazer a travessia todos os dias do mês, o título custa agora 28,10€, passando o passe para os dias úteis a custar 24,70€.

Jornal do Seixal, edição 101, Janeiro 2011

14.12.10

“VAMOS ACOMPANHAR ESTAS CRIANÇAS ATÉ TEREM ASAS PARA VOAR…”

Sedeada em Azeitão, a Associação Meninos de Oiro foi a concretização do sonho que Maria do Céu Guitart, presidente da instituição, tinha desde a adolescência. Ouvida a história da casa e acima de tudo das crianças que defende, esta reportagem é fruto de uma entrevista intimista e tocante... que os casos de maus tratos às crianças são chocantes já todos sabíamos, a novidade é que acontecem mais perto de nós do que poderíamos imaginar...

“Desde os 15 anos que sonhava fazer algo, li muito e estudei muito sobre o assunto, tive o meu filho que me deu outra consciência da realidade e cheguei à conclusão de que tinha chegado o momento quando fui a um congresso onde se fazia um repto à sociedade civil para se organizar e fazer algo pela defesa das crianças, porque não é só ao Estado que compete defender os direitos da criança”.

Foi assim que, em 2002, a ideia tomou forma e em Maio do ano seguinte, Maria Guitart constituiu os Meninos de Oiro como Pessoa Colectiva de Utilidade Pública.

E porquê “Meninos de Oiro”? Porque foi em Azeitão que José Afonso viveu os últimos anos da sua vida “e tem aquela música tão bonita: O meu menino é d'oiro, É d'oiro, é de oiro fino...”, explicou Maria do Céu Guitart, acrescentando que “chamava o meu filho de Menino de Oiro e penso que todas as crianças têm o direito de ser chamadas assim, porque todos os Meninos são de Oiro”.

Autodidacta, Maria do Céu é proprietária de uma imensa biblioteca relacionada com a criança, mas nunca optou por nenhuma especialização. Fotógrafa de profissão, foi um dos seus retratos o escolhido para ser a imagem dos Meninos de Oiro.

Maria do Céu nasceu em 1959, no ano em que foi feita a primeira Declaração dos Direitos da Criança. Desde então, reconhece, passou a haver “uma consciência relativa aos direitos da criança”, mas no seu entender ainda “há um longo caminho a percorrer, em especial na área da prevenção”.

Na aposta pela prevenção, os Meninos de Oiro têm um Centro de Apoio Familiar e Acompanhamento Parental (CAPAF), que é constituído por diversos técnicos que acompanham 100 crianças e jovens nas suas próprias residências.

“As pessoas podem-se questionar sobre o que é que andamos a fazer, mas actuamos na área da prevenção, com o objectivo das crianças não serem tiradas aos familiares”. Neste Universo existem não só crianças em risco, mas mesmo em “perigo”, referiu a presidente, explicando que “certas famílias só têm as crianças porque as acompanhamos muito de perto e quando digo muito de perto significa que lá temos de ir todos os dias, porque aquela criança está em perigo e queremos evitar uma situação limite em que a criança já sofre e tenha de ser confrontada com um sofrimento ainda maior, que é ser retirada à família”.

“No ano anterior à Associação nascer, tinham sido retirados uns irmãos que estavam amarrados à cama enquanto os pais iam trabalhar e tinham aos pés tigelas com comida e com água”

Entre as ofensas contra os direitos das crianças, Maria do Céu destaca a negligência, os maus tratos que existem no seio da própria família, “gritos, ameaças, ou sujeição a humilhações, tudo isso são maus tratos psicológicos”.

Para além destes casos, a instituição também acompanha crianças que antes de ser acompanhadas não tinham convivência com outras crianças, “há algumas que têm três ou quatro anos e nem sabem falar, até à data só conviveram com animais e só sabem repetir os seus sons, ladrar e miar! Neste caso, a criança até fazia aquele gesto dos gatos (tentando exemplificar o gesto de um gato a mexer no nariz com a patinha). Ele não sabia falar, mas desde que é acompanhado por nós, já fala e perdeu o seu ar triste, já sorri com facilidade”...

No ano anterior à Associação nascer, tinham sido retirados uns irmãos que estavam amarrados à cama enquanto os pais iam trabalhar e tinham aos pés tigelas com comida e com água”...

Neste caso, as crianças foram salvas dos seus malfeitores e esse é outro dos grandes perigos, é que “a maior parte dos maus tratos são feitos pelos próprios pais, porque são os que lhes estão mais próximos e os sujeitam a tais situações”.

Se os maus tratos são exclusivos às famílias com dificuldades económicas? “Não! O que costumamos dizer é que nas famílias pobres as paredes não são tão grossas e os problemas passam cá para fora mais depressa. Muitas dessas crianças têm problemas de necessidade de apoio alimentar, em roupa e mobiliário e ao terem de procurar auxílio tornam-se mais visíveis”. A Associação já recebeu denúncias de casos em famílias abastadas, mas que não se expõem, pelo que se torna mais complicado intervir.

Os Meninos apoiados pela Associação pertecem a Azeitão, mas saliente-se que a área de acção é bastante vasta, “vai até ao Convento da Arrábida, mas já chegaram a ser desta rua”!

Muitos dos casos podem acontecer na porta que está ao nosso lado e “tentamos não nos tornar incómodos, porque não nos queremos expôr, mas sabemos que há gritos, que há crianças que choram, que há situações dolorosas e nós muitas vezes não intervimos nem denunciamos, mas ao fazer isso estamos a cometer outro crime de mau trato”.

A maioria das situações que os Meninos de Oiro acompanham são sinalizadas por outras instituições suas parceiras, como a Segurança Social, a Comissão de Protecção de Crianças e Jovens de Setúbal, o Agrupamento Escolar de Azeitão, o Centro de Saúde e particulares que já estão sensibilizados para a questão. Ainda assim, “muitas das vezes são as próprias famílias que nos vêm pedir ajuda, como a mãe que vem denunciar que o pai bate no filho; ou a mulher que é maltratada, tem um bebé e precisa de ajuda para fugir; são muitas as maneiras das situações nos chegarem às mãos”.

Conforme explicou ao Nova Morada, Maria do Céu tem casos de adolescentes com 18 anos e até de bebés que são apoiados antes de nascer, ainda estão nas barrigas das mães. Este projecto é o “Gugú Dadá” e tenta acompanhar a criança no ventre, para que nasça num ambiente feliz.

Este CAPAF funcionou de 2004 a 2008 com base em trabalho voluntário de técnicos de diversas áreas. Desde então, ao grupo juntou-se uma técnica de serviço social, uma educadora social, uma psicóloga clínica, uma animadora sóciocultural, uma agente familiar (sendo que as restantes são pagas pela Segurança Social) e uma auxiliar de serviços gerais e uma administrativa.

Uma das funções dos voluntários é fazer a triagem dos bens oferecidos por particulares à loja social que os Meninos de Oiro detêm.

Na loja, localizada na delegação da Junta de Freguesia de São Simão, “vendemos todos os bens que estão em bom estado pelo preço simbólico de um euro”, o espaço está aberto à comunidade, mas curiosamente “a maior parte dos artigos são comprados por sócios da Associação”.

Apesar das dificuldades que a Associação atravessa, “todos os dias temos duas ou três pessoas a entregar-nos roupa, brinquedos e calçado”.

“Estamos numa situação financeira crítica, dívidas, cheques ao banco, um carro que temos de pagar a crédito, imensos encargos e menos apoios do que nunca”

Nos actuais tempos de hostilidade económica, “há mais desemprego e apercebemo-nos que há cada vez mais famílias a precisar de apoio alimentar”.

Mas não são apenas as famílias a sofrer com a crise, também os Meninos de Oiro vivem momentos difíceis, “nos primeiros anos tínhamos muitos apoios de empresas e particulares, mas de há dois anos para trás que praticamente não tivemos nenhum apoio monetário”. A excepção surgiu no dia desta entrevista, em que uma funcionária da Luso-Atlântica apoiou a instituição com um donativo, “foi mesmo o Pai Natal que nos veio visitar”, declarou a presidente, que afirmou que “estamos numa situação financeira crítica, dívidas, cheques ao banco, um carro que temos de pagar a crédito, imensos encargos e menos apoios do que nunca”...

As dificuldades que a instituição atravessa podem mesmo colocar em risco o sonho de construir um Centro de Acolhimento Temporário para crianças em risco dos 0 aos 6 anos, mas que vai acompanhar jovens até aos 18 anos.

“Já temos um terreno com mais de 8 mil metros quadrados e é ali que vamos construir as nossas instalações de raiz, junto à escola nova da Brejoeira”. Neste espaço, os Meninos de Oiro vão ter um centro de acolhimento, um lar para crianças e jovens, apartamentos de autonomização, ludoteca, entre outras valências. Para que o almejo se torne real, “precisamos de apoio para crescer e é difícil crescer numa altura como esta”, lamentou Maria do céu Guitart.

Para além dos artigos entregues diariamente na loja, o que os Meninos de Oiro mais necessitam para avançar é de apoio financeiro e de novos sócios. De salientar que a Associação tem um projecto nomeado “Empresa Solidária”, em que as empresas que se unem à causa se tornam empresas solidárias e ganham um selo de qualidade.

Para já, os Meninos de Oiro continuam sedeados na zona nobre de Azeitão, é ali que se faz “o trabalho mais maçador: registar todos os actos que se vão praticando e que vão de conversas a consultas”, um processo demorado mas necessário que deve estar sempre actualizado. Também é neste espaço que se realizam as reuniões com as famílias e actividades com as crianças, bem como outros projectos, como a educação para os afectos ou para a cidadania, com adolescentes.

De destacar que existe ainda uma iniciativa cotada na Bolsa dos Valores Sociais que vai fazer um ano, conta com o apoio da Gulbenkian e espera que os investidores invistam não com bens materiais mas com boas acções nas instituições de solidariedade.

“Temos um exemplo que é o ‘Por Ti’ que é uma espécie de apadrinhamento: cada criança escolhe, dentro da Associação, a madrinha com quem sente maior afinidade. É essa madrinha que a acompanha à escola, faz a ponte entre os pais, esclarece as suas dúvidas, a apoia e brinca com ela”.

Para além do apoio dado à criança, existe a necessidade de ensinar algumas famílias a brincar, a gerir a economia doméstica, a fazer uma sopa, levar ao Centro de Emprego, a uma consulta ou mesmo ao hospital. Na entrada dos Meninos de Oiro, a instituição tem um placard com diversos anúncios de emprego, uma mais-valia no sentido de apoiar os pais que se encontrem sem trabalho.

Apesar das dificuldades que atravessam, é ao resgatar o sorriso das crianças que a equipa tem novo alento para continuar.

“Vamos apoiar estas crianças até terem asas para voar, queremos transmitir o nosso voto de confiança e queremos continuar a ajudar as nossas crianças a ter tudo aquilo que elas merecem”.

Nova Morada, edição 398, Dezembro 2010

30.5.10

EM LUTA PELOS DIREITOS DOS TRABALHADORES ANALFABETOS

Com 89 anos, Joaquim José dos Santos sofreu na pele um analfabetismo imposto que conseguiu contrariar, tempos em que votar não era para todos, em que um peixe era dividido por muitos, as horas de trabalho eram superiores ao tempo de vida do sol e em que era proibido festejar o Dia do Trabalhador.

Jornal do Seixal aproveitou, no 1º de Maio, a visita do alentejano ‘Joaquim Pedro’ ao Seixal e abordou- o numa entrevista intimista, onde muito foi recordado e explicado.
Das reuniões clandestinas, ao período do antes e pós 25 de Abril, ou ao esquema utilizado para ocupar uma das primeiras herdades no Distrito de Évora. Tempos em que
a Reforma Agrária se revelou uma das maiores conquistas alcançadas pelo povo alentejano, mas que em poucos anos viria a cair por terra, transformando-se numa saudosa utopia...

Jornal do Seixal – O que é que o Dia do Trabalhador representa para uma pessoa com a sua idade?
Joaquim José Santos – Representa a Liberdade que dantes não tínhamos. Antes do 25 de Abril, as pessoas que festejavam a data ou eram presas ou despedidas...

JS – Tempos em que o horário de trabalho ascendia as oito horas diárias...
JJS – Sim e consegui-las deu-nos muito trabalho, nenhum patrão as deu de livre vontade!
Éramos trabalhadores rurais e trabalhávamos desde o nascer ao pôr-do-sol. Foi então que nos organizámos e decidimos que certo dia só íamos para o campo quando fossem 8 horas. De início foi complicado, houve muitos despedimentos... mas aos poucos todos aderiram, os patrões tinham de ter o trabalho feito e acabaram por ceder. Foi
assim que em 1963 conquistámos as 8 horas!
Mas mesmo depois disso, os agrários capitalistas começaram a contratar homens e mulheres do Norte, que vinham com outras condições, a ganhar ordenados mais baixos e a entrar hora e meia antes de nascer o sol e a terminar meia hora depois do sol se pôr, porque já não viam... eles tinham de se sujeitar, mas antes de se deitarem
nós abordávamo-los e dizíamos que se recebiam pouco que pedissem mais - mesmo que ficassem a ganhar 100 escudos (0,50€) por dia e nós 70$ ou 80$ - e acima de tudo que não trabalhassem mais do que oito horas diárias.

JS – Apesar de trabalhar na agricultura, nessa época já havia uma réplica do que viria a ser a Segurança Social?
JJS – Na altura havia a Casa do Povo, que era controlada pelo sistema capitalista. Lembro-me que pagava 3$ de quotas por mês mas que não era apoiado de nenhuma forma. Fui sócio da Casa do Povo dos 18 aos 46 anos - a Segurança Social apareceu depois do 25 de Abril - mas isso não me valeu de nada, hoje recebo 46 contos de Reforma (cerca de 245€) por mês mais o bónus por ter mais de 80 anos...

JS – Nessa altura, os direitos das mulheres no trabalho também não eram reconhecidos?
JJS – Antes do 25 de Abril, as mulheres que trabalhavam no campo eram completamente
discriminadas: se os homens ganhavam 20$ elas ganhavam 10$, mesmo que fizessem o mesmo, na ceifa, a desmoitar, fosse o que fosse ganhavam metade, o que era uma miséria!


“Marcámos encontro na Herdade uma hora antes de nascer o sol. Estava lá o feitor e nós dissémos “isto está ocupado pelos trabalhadores”...”


JS - Sabemos que se tornou numa figura bastante conhecida no Alentejo e em especial no Concelho de Vendas Novas. O que é que fez por essas bandas?
JJS – Comecei por formar a Liga dos Pequenos e Médios Agricultores com malta do Distrito de Évora, depois a Reforma Agrária e mais tarde as Cooperativas.

JS – Apesar de fazer parte de uma História recente, muitas pessoas desconhecem o que foi a Reforma Agrária. No que é que consistiu realmente?
JJS – A Reforma Agrária foi aplicada nas propriedades que estavam ao abandono, algumas delas nem gado lá tinham! Os donos das terras não davam trabalho às pessoas e depois do 25 de Abril formámos grupos e ocupámos as terras abandonadas. Aproveitávamos a terra para aquilo que ela dava, onde se podia semear trigo semeava-se trigo, se era para tomate semeávamos tomate, ou arroz, era para aquilo que dava!

JS – É verdade que o movimento foi liderado pelo Partido Comunista?
JJS – Isso é mentira! Quem foi para as terras foram os trabalhadores. O Partido Comunista não tinha nada com isso! Foi um movimento de analfabetos, como eu
e como os outros! Imagine: havia um analfabeto com mulher e um filho ou dois e nenhum tinha trabalho.
Com a Reforma Agrária, todos tinham trabalho. E mais! Até àquela data, os trabalhadores do campo não estavam colectados em sítio nenhum, andavam para
ali à balda! Só depois do 25 de Abril é que entraram no Regime de Trabalho e começaram a surgir as portarias de trabalho...

JS – Era analfabeto mas aprendeu a ler em tenra idade...
JJS – Oh... tinha muita ‘cigueira’com os folhetins do Camponês e do Avante, mas aquilo era proibido... eu já tinha quase 18 anos - tanto que mal sei fazer o
meu nome - mas estudei a Cartilha Maternal e comecei a ler o que queria às escondidas...


“Chegámos a fazer concentrações clandestinas, no campo, com 400 a 500 pessoas”


JS – A Reforma Agrária compensava?
JJS – Se compensava? Em todas as estações dos Caminhos de Ferro havia um celeiro que o Salazar tinha mandado fazer para recolher o trigo e assim que se começou com a Reforma Agrária os celeiros não chegavam! Enchia-se tudo e sobrava metade! O pessoal
andava todo empregado!
Onde eu estive havia 12 propriedades, os donos tinham 1.300 ovelhas e 160 cabeças de gado vacum ao todo. Ao fim de pouco tempo, a Cooperativa tinha 5.000 ovelhas, 3 manadas de porcas criadoras com 30 porcas cada uma, uma manada com 180 vacas a criar, em vacas taurinas a dar leite tínhamos 45, 80 bezerros a engordar e
ainda tínhamos uns 1.300, 1.400 porcos! Foi isso que devolvemos aos agrários quando acabaram com a Reforma Agrária!

JS – Fale-nos da primeira propriedade que ocupou!
JJS – A primeira Herdade que se ocupou foi a do Monte Branco, em Vendas Novas. Fizémos três reuniões numa Sociedade: na primeira criámos uma Direcção, na segunda já foi mais gente e decidimos como é que íamos fazer a ocupação e na terceira combinámos a hora e o dia para ocupar as terras. Éramos cerca de 60 ou 70 pessoas e marcámos encontro na Herdade do Monte Branco uma hora antes de nascer o sol. Estava
lá o feitor e nós dissémos “isto está ocupado pelos trabalhadores”.
Ele disse que ia chamar o patrão mas o telefone já não funcionava porque já lá tínhamos posto uma coisa pesada nos fios (risos) para ele não trabalhar.
Metemos as mãos à obra e chegámos a um ponto em que já éramos 360!

JS – Como é que o proprietário reagiu?
JJS – Ali ninguém implicou...

JS – Fale-nos de outros passos que tenha dado na clandestinidade...
JJS – Antes do 25 de Abril fazíamos muitas concentrações... chegámos a fazer concentrações clandestinas, no campo, com 400 a 500 pessoas, durante a noite... tínhamos uma hora marcada, cada um tinha o seu controleiro que só controlava 4 ou 5 pessoas. Nós já sabíamos onde ele estava escondido e antes de lá chegar fingíamos que tínhamos tosse ou dávamos um pontapé numa pedra, ele aparecia e levava-nos
para junto do restante grupo. Isto eram grupos que se iam juntando nos vários concelhos do Distrito de Évora para decidir o futuro dos trabalhadores rurais.


“Houve muitas coisas mal feitas (na Reforma Agrária), mas se tivéssemos um Governo a favor dos trabalhadores, tinha-se decidido ver o que é que estava mal para se poder
corrigir”


JS – Nas suas lides de então vinha muitas vezes trabalhar para a Margem Sul e para o Seixal...
JJS – Sim, na Cooperativa tínhamos muito pinhal e vínhamos muitas vezes à Amora trazer bidões de resina. Para além disso, também trazíamos muito gado para o matadouro do Seixal... Havia um grande intercâmbio entre as Cooperativas e muito
trabalho e rendimento. Nessa altura, só não trabalhava quem não queria.

JS – Se por um lado tiraram milhares de bocas da fome, os reformistas também são acusados de ter roubado propriedades aos seus donos efectivos, que eram os
agrários. Como é que encara esta questão?
JJS – Ninguém roubou nada! A terra é do Estado, não tem dono! Tanto que não tem que temos de pagar contribuições dela por tudo e por nada! Os agrários nunca viveram melhores tempos do que esses em que as terras estiveram cupadas, porque recebiam
indemnizações e muitos deles ainda hoje as recebem. Se me vierem dizer que tudo foi muito bem feito na Reforma Agrária, eu digo que é mentira! Houve muitas coisas mal feitas, mas se tivéssemos um Governo a favor dos trabalhadores, tinha-se decidido
ver o que é que estava mal para se poder corrigir. Mas não! Tivémos quem destruísse tudo e os grandes criminosos foram o Doutor Mário Soares e o Barreto... eles agora é que deviam ir para o Alentejo comer o que lá há, porque só lá há silvas e mato!
Tiraram tudo aos trabalhadores e agora quem tem olhos que vá lá ver os quilos e quilos de azeitonas que ali ficaram sem ser apanhados!
No Concelho de Montemor havia 15 lagares a funcionar os 12 meses do ano, agora só um é que trabalha e não mais do que 30 dias...

JS – O senhor Joaquim mora actualmente em Santiago do Escoural, terra do Casquinha e do Caravela, dois homens mortos por defender a Reforma Agrária...
JJS – O Casquinha, que tinha 18 anos e o Caravela que já era um homem, morreram na Freguesia de São Cristovão, em Vale Nobre. Eles queriam evitar que lhes tirassem umas vacas alentejanas que eram da Cooperativa.
A malta juntou-se para os apoiar e consta-se que os dois foram mortos por filhos de agrários vestidos de polícias... Nesse funeral estiveram milhares de pessoas vindas de todo o País, eu sei lá... o cortejo fúnebre tinha pelo menos 10 quilómetros de fila, aquilo foi uma das maiores manifestações políticas que houve em homenagem
aos homens assassinados e à Reforma Agrária!


“Não tenho pena nenhuma daquilo que fiz. Só tenho pena do tanto que sofremos de noite e dia e ver que isto está a voltar ao que era...”


JS – Acredita que a desertificação no Alentejo foi uma consequência do fim da Reforma Agrária?
JJS – É um dos motivos, porque nessa altura dávamos emprego a muita gente nova, agricultores, veterinários, tractoristas... a maioria teve de emigrar, o Alentejo
está deserto, as árvores estão a secar porque não são tratadas... muito gado existe por causa dos subsídios que o estado atribui, mas o que é bom vai para fora e o
que é ruim vem para ser consumido em Portugal... E apesar de ter acabado, se não fosse a Reforma Agrária havia ainda mais miséria e fome, porque a maior parte dos
alentejanos nesta altura nem direito a Reforma ia ter...

JS – Há quase 90 anos que por aqui anda... como é que analisa as conquistas e as derrotas do povo português durante o seu percurso de vida?
JJS – Tal como as pessoas que trabalharam comigo, não tenho pena nenhuma daquilo que fiz. Só tenho pena do tanto que sofremos de noite e dia e ver que isto está a voltar ao que era... já há coisas piores do que existiam antes do 25 de Abril, os filhos
matam pais, os pais matam filhos e mães... e só já há uma coisa a dizer: não prendam os ladrões todos, senão ficamos sem Governo!

JS – Uma mensagem para os trabalhadores!
JJS – Dizem que há crise… os trabalhadores estão no desemprego e aquilo que há para aproveitar não se aproveita! Que crise é essa? Temos os recursos mas não os aproveitamos! Isto é uma crise de política!

Jornal do Seixal, Maio 2010
JOVEM EMPRESÁRIO DO SEIXAL DISTINGUIDO EM BRUXELAS

Depois de exportar produtos para Espanha, a Science4you vai ser condecorada em Bruxelas e prepara-se já para exportar brinquedos científicos para o Brasil

Com apenas 25 anos, Miguel Pina Martins tornou-se figura de destaque na Europa, sendo distinguido pela Comissão Europeia como “Empreendedor do Ano 2010”. Na próxima
semana, o ex-autarca na Câmara do Seixal ruma a Bruxelas, onde irá representar Portugal e a sua conceituada empresa, Science4you, pioneira na concepção de brinquedos científicos em solo nacional.
Um projecto de início fustigado pelas burocracias, mas que viria a ser bem sucedido e alvo de elogios em grande parte da Imprensa Nacional.
Em tempos de contenção, o jovem sente algum receio, mas afirma que a Sience4you “foi a melhor decisão que tomei até hoje”!
A Science4you é composta por 15 sócios: quatro alunos da escola,quatro professores na Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa e os restantes professores do ISCTE. Sedeada no Campus da Universidade de Ciências, para andar “em cima dos cientistas”, a empresa não tem mãos a medir e recentemete divulgou uma nova gama de brinquedos didácticos cujo preço varia entre os 7,90€ e os 9,90 euros.

Jornal do Seixal – O que é a Science4you?
Miguel Pina Martins – A Science4you é uma empresa de brinquedos científicos que nasceu há dois anos e meio numa parceria com o ISCTE - Onde eu fui aluno tanto no Mestrado como na Licenciatura - e aFaculdade de Ciências.

JS - Quais são os papéis destas duas Universidades na Science4you?
MPM - A Faculdade de Ciências dá ideias para que o ISCTE, enquanto escola de gestão, monte os planos de negócios.

JS – Esta foi a primeira empresa no País a apostar neste ramo. Como é que surgiu a ideia?
MPM - Na altura eu era aluno e saiu-nos na rifa um projecto académico que mais tarde se viria a tornar num projecto empresarial.
Quando terminei o curso não sabia muito bem o que queria fazer, se ser auditor, consultor ou optar pela banca, que acabou por ser a minha opção. Passados três meses, já tinha uma certeza: sabia o que não queria fazer, porque aquilo da banca era
muito simples, ou se compra, ou se vende, ou se mantém... não se pode fazer mais nada e isso pareceu-me um pouco monótono e como estava no início de carreira era a minha oportunidade para arriscar.
Em Novembro de 2007 criámos a Science4you financiados com capital de risco e foi nesta segunda fase que houve um repensar e recriar as coisas já iniciadas na Faculdade. O que mais alterou foi começar a lidar cOm o ‘sense for you’ e com o trabalho, porque no papel é tudo muito bonito mas passar para a prática é mais
complicado...

JS – Da integração no mercado nacional à exportação para Espanha foi um instante...
MPM – Sim. Começámos em Janeiro de 2008 e em Outubro já tínhamos artigos na ‘Fnac’, no ‘Corte Inglês’ e na ‘Toys’R’Us’. Passado um ano fomos convidados para apresentar os brinquedos na Fnac Espanha. Ficámos muito contentes, respondemos ao chamamento e foi assim que se deu a internacionalização.


“Há um ano eu era (…) o porteiro, o recepcionista, passando pelo armazém a pôr as etiquetas, comercial e até presidente do Conselho de Administração…”


JS – Apesar de contar com 15 sócios, o Miguel é a alma da Science4you. Quais têm sido as suas responsabilidades na empresa?
MPM – Há um ano eu era o único trabalhador da empresa, era o porteiro, o Recepcionista, passando pelo armazém a pôr as etiquetas, comercial e até presidente do Conselho de Administração, tinha de ser completamente transversal! Foi o que aconteceu, tive um percurso um pouco solitário, mas actualmente somos oito e em breve seremos dez, já temos pessoas para a recepção, já temos cientistas e designers... dez pessoas já é uma estrutura grande para quem estava habituado a estar sozinho num gabinete!

JS – Quais foram as maiores dificuldades com que se deparou?
MPM – Houve algumas dificuldades, todas a nível de burocracia. São muitas as burocracias que este País tem! Quando criamos uma empresa temos de registar as marcas, por isso tive de registar a Science4you no INPI (Instituto Nacional da Propriedade Industrial). O INPI é muito interessante e fala muito no registo da marca na hora, mas na realidade não foi assim! A empresa iniciou em Janeiro e pensámos dar início ao registo da marca em Abril, porque ainda a tínhamos de desenhar e dar início ao portfólio que lhe está associada. Chegámos ao INPI e pensei que no máximo um mês a marca já estaria registada, mas a verdade é que leva cerca de um ano.
Se tivéssemos de esperar um ano para começar a vender, é óbvio que nessa altura já não teríamos dinheiro nem para pagar a factura da electricidade e por isso começámos com a marca sem a garantia de que não havia nenhuma outra registada. Vá lá que não tivemos nenhuma chatice...

JS – Apesar disso, o Primeiro-Ministro declarou esta semana à RTP1 que actualmente é possível constituir uma empresa na hora, através da Internet...
MPM – Não, isso é onde o nosso primeiro-ministro está melhor, que é na propaganda, isso é totalmente interessante! Eles falam na empresa na hora e na marca na hora... se uma pessoa escolhe o nome da empresa numa lista de cem nomes onde está o ‘Doces e Bolinhos’, ou o ‘Açúcar com Bolo’ isso acontece na hora! Mas o nome é fundamental no Marketing! Muitos cafés, por exemplo, optam por um nome da lista e têm nome e nif (número de identificação fiscal) na hora, mas até aqui há uma falha! Eu tenho nif na hora, mas só tenho o certificado permanente passados 15 dias, ou seja, só nessa altura posso mexer no dinheiro no banco... posso lá pôr dinheiro, mas não posso fazer pagamentos, o que não é bem na hora...

JS – Avançaram então para o mercado um pouco de pé atrás em relação ao nome da marca...
MPM – Sim e não tivemos problemas, mas este tipo de dificuldades mata as empresas, por vezes perde-se a oportunidade de negócio! Por exemplo, posso dizer que quando entrámos não havia produtos científicos no mercado e neste momento há cinco marcas! Se tivessemos esperado um ano já não sei se conseguíamos! Há oportunidades de mercado que têm de ser agarrados e com este tipo de circunstâncias podíamos ter perdido a oportunidade e isto não estaria aqui...
Tudo correu bem, mas podíamos ter tido um berbicacho enorme a nível de investimento e pessoal, porque se os donos das marcas nos processassem e com direito, teríamos problemas maiores!

JS – E facilidades, houve?
MPM – Uma facilidade é o facto da Faculdade de Ciências estar associada ao brinquedo, o público sabe que tudo o que lá está dentro estará certo e que as experiências funcionam!


“As crianças aprendem mais enquanto brincam do que enquanto estudam...”


JS – O vosso catálogo apresenta quase 20 brinquedos, mas vamos falar sobre este que trouxe intitulado “Primeiros Passos na Brincadeira do Som”. No que é que consiste?
MPM – Este brinquedo custa 8 euros e tem de a oferta de 80 euros em entradas em Museus de Ciência!
Na prática, este brinquedo explica que se podem construir diversos instrumentos musicais de forma muito simples, com cordas e com elásticos,instrumentos de missangas e coisas muito básicas que permitem perceber onde é que a Física mexe nisto tudo, já que está mais direccionada para o som.
A nossa gama tem 19 brinquedos, desde um estojo de Química normal e normalíssimo, a um de energia eólica, energia solar em carros e barcos... os nossos artigos têm um interesse pedagógico um pouco diferente do Ken e da Barbie, ou da metralhadora e da pistola, que é o que se dá habitualmente a uma criança...

JS – Quantos brinquedos pensa ter vendido até à data?
MPM – Penso que um total de 70 mil em Portugal e Espanha. Contamos iniciar a comercialização no Brasil em Outubro, ou seja, esperamos de ano a ano entrar num país diferente...

JS – Actualmente contam com seis novos brinquedos com preços entre os 7,90€ e os 9,90€, mas também dispõem de outros mais complicados, que podem ultrapassar os 100 euros. Que brinquedos são esses?
MPM – O carro movido a hidrogénio, que anda com água, custa 129€, mas a média anda nos 18€, 20 euros.
Estes são brinquedos científicos que permitem às crianças aplicar na prática aquilo que aprendem teoricamente na escola. Atenção que isto não é um livro, é um brinquedo e as crianças aprendem mais enquanto brincam do que enquanto estudam...

JS –Qual foi o vosso primeiro brinquedo?
MPM – O brinquedo movido a energia eólica, que contém uma turbina de vento - um moinho como costumamos ver nas montanhas – e se lá colocarmos uma pilha, por exemplo e for um dia ventoso, no final do dia, a pilha está carregada.
Este brinquedo tem uma componente verde e uma montagem que é uma espécie de Lego, já que é montada pelas crianças e até pelos pais.

JS – Para além dos brinquedos, a Science4you tem uma componente de formação em diversas áreas. Comecemos pelos Campos de Férias...
MPM – Os Campos de Férias incluem a Universidade de Verão, a Universidade de Natal e a Universidade de Páscoa. A de Verão é a próxima, que inicia nas férias escolares
e que dá às crianças um ‘feeling’do que é a Faculdade promovendo já o bichinho por partilhar esse ambiente. Têm a oportunidade de passar um dia na Faculdade, almoçar na Cantina Universitária, estar com os colegas mais velhos, sendo que o componente básico é uma manhã ou tarde de laboratório, onde fazem várias experiências, por exemplo, constroem um ‘rocket’ (míssil) que lançam apenas com fermento e vinagre, coisas básicas que levam a brincadeira àquilo que deram na escola e com a certeza de que não se vão esquecer de como tudo aconteceu...


“Vale a pena arriscar, temos um mercado pequeno e dinâmico, não estamos assim tão mal como por vezes se diz por aí!”


JS – O que é que fazem nas festas de aniversário?
MPM – Fazemos festas de aniversário com experiências mais apelativas, que deitam fumo, mudam as cores, coisas muito básicas mas que deixam as crianças muito admiradas...

JS – Falamos de crianças com que idades?
MPM – Dos seis aos treze anos.

JS – Para além disso ainda têm um laboratório móvel...
MPM – Sim, que é utilizado em circunstâncias muito especiais, por exemplo, vamos estar agora no Fórum Montijo, onde fazemos experiências apelativas onde as crianças que passam podem assistir um pouco ao que se passa na Faculdade.

JS – Entre as diversas Formações têm um que nos despertou a atenção e que se refere a sabonetes. No que é que consiste?
MPM – Neste caso falamos mesmo de sabonetes que fazemos. Explicamos a Ciência que está por detrás do sabonete e cada um pode levar o seu para casa.

JS – A Science4you foi distinguida pela Comissão Europeia como “Empreendedor do Ano 2010”. Como é que isto aconteceu? Candidataram-se?
MPM – Não! Todos os anos é escolhida uma empresa e uma pessoa da União Europeia e neste caso escolheram-me a mim e à Science4you, por ser jovem, o negócio estar a correr minimamente bem e pronto... vamos buscar o prémio na próxima terça-feira à cerimónia da ‘SME Week’ (Semana das Pequenas e Médias Empresas), a decorrer em Bruxelas.

JS – O que é que isto representa?
MPM – Acima de tudo representa uma grande responsabilidade, porque apesar de ser uma competição saudável, vamos representar Portugal.
É também uma grande honra, não só por sermos reconhecidos mas por ser pela Comissão Europeia e por sermos os seleccionados entre milhares...

JS – No seguimento da ‘SME Week’ vão realizar um evento sobre “Empreendedorismo, Juventude e Internacionalização”. Que evento é este?
MPM - É um evento que surge no âmbito da SME Week e que vai decorrer no dia 31 de Maio no ISCTE.
Vamos poder ouvir o Luís Palha da Silva falar sobre empreendorismo e sobre a importância que a juventude tem no sector e o que leva a isso. Também vamos contar com a presença do professor Paulo Esperança que é um grande mestre do empreendorismo e com a minha presença. O grande objectivo deste evento é dar a conhecer a
Science4you e explicar à juventude como se pode lançar no ramo, já que o empreendorismo é muito interessante e engraçado e, pelo menos no meu caso, foi a melhor decisão que tomei até hoje!

JS – Não tiveram receio de se perder nas teias da famosa crise?
MPM – Nós sempre vivemos em crise, por isso não temos outro cenário... é claro que a situação não é positiva, em especial porque quando os nossos parceiros têm de
apertar, apertam em todo o lado, mas temos de vender e apesar das novas medidas me colocarem algum receio,estou certo de que vai correr tudo muito bem em Espanha e Portugal e daqui a dois anos já estaremos num panorama melhor...

JS – Uma mensagem para os jovens que ainda ponderam ser empreendedores...
MPM – Acima de tudo, arrisquem! Vale a pena arriscar, temos um mercado pequeno e dinâmico, não estamos assim tão mal como por vezes se diz por aí! Vale a pena arriscar, a pessoa dá uma volta na vida... para mim é como se fosse fim-de-semana todos os dias porque vou trabalhar com todo o gosto, o que é diferente de quando se trabalha por conta de outrém! Tenho uma realização pessoal fantástica!
As pessoas que tiverem ideias, boas ideias e ideias um bocadinho diferentes – porque o mercado está saturado daquilo que é igual – arrisquem! Nunca fui rico, os meus pais nunca foram ricos e não fui ao BES (risos). Eu próprio meti capital de mil euros numa empresa com 50 mil euros de capital social, ou seja, hoje em dia não é preciso ser-se rico para se ter uma empresa, mas ter boas ideias e muita vontade
de trabalhar, não ser daqueles que deitam a toalha ao chão à primeira ou segunda barreira.

Jornal do Seixal, Maio de 2010

21.4.10

"OS CEGOS PRECISAM DE SABER QUE TÊM DIREITO A APOIOS"
Apesar de “não sabermos onde eles estão”, dos mais de 163 mil invisuais registados em Portugal, cerca de um milhar habita no Concelho do Seixal declarou Manuel Saraiva, cego e presidente da União de Cegos e Amblíopes do Seixal (UCAS).
Jornal do Seixal – O que é o UCAS?
Manuel Saraiva –
O UCAS foi registado em Julho de 2009 e surgiu da necessidade de apoiar os cerca de mil cegos no concelho do Seixal, tendo como fim vir a abranger todo o distrito de Setúbal. Não sabemos onde eles estão, por vezes a própria acção social não sabe, mas queremos chegar às pessoas que perderam a visão, fazer esse levantamento para as ajudar!

JS – Qual é a principal mensagem que falta passar aos invisuais?
MS –
Acima de tudo informar que os cegos podem ser ajudados e que têm apoios gratuitos a nível de ‘software’ para telemóveis, computadores, braille, para aprenderem...
Hoje em dia existem umas pequenas máquinas que parecem uns isqueiros e que dizem as cores das roupas, por isso os cegos podem escolher as próprias cores do vestuário a utilizar!
Os cegos precisam de ser informados, encaminhados... neste País tudo é burocrático e é por isso que nos queremos propôr a ajudar!

JS – Recentemente o UCAS abriu um balcão de atendimento no Miratejo. O espaço tem estado a funcionar?
MS –
Sim, o presidente da Junta de Freguesia de Corroios tem-nos apoiado bastante e esse espaço foi uma mais-valia, mas de momento a sede social funciona aqui na minha residência, porque em Dezembro fui atropelado e fiquei um bocado limitado. O UCAS funciona por voluntariado e por carolas e assim que recuperar conto pôr a associação tal qual a desenhei e tal qual as pessoas precisam, quero ir para o Miratejo e então receber e auxiliar as pessoas.

JS – Sabemos que é frequentemente abordado por cegos de todo o distrito...
MS –
Sim, recebo telefonemas de pessoas de Setúbal, do Seixal, do Barreiro... não sei como é que sabem o meu número, mas tenho um telefone que é quase público (risos). As pessoas querem saber se os subsídios existem, o que têm de fazer e eu ajudo-as e disponibilizo-me para ajudar.

JS – É complicado gerir o UCAS e a sua vida pessoal em simultâneo?
MS –
Por vezes sim, porque também sou casado, tenho a minha mulher, o meu filho João Pedro que já vive em casa própria e a Inês que é mais nova e que vive aqui connosco. Tenho a minha vida e de momento só não trabalho porque estou de baixa...

JS – Para quem não sabe, o próprio Manuel Saraiva também é amblíope...
MS –
Sim, sou amblíope... A minha mulher é amblíope e vê dois e meio por cento. Ela também é albina e por incrível que pareça, dizem que os amblíopes vêm melhor de noite do que de dia, mas isso é mentira, porque ela à noite vê muito pior! O que acontece é que os albinos vêm com dificuldade com o sol intenso do Verão...
Um amblíope vê um a dois por cento e eu de momento tenho uma visão de cerca de meio por cento, por isso, em termos técnicos, sou considerado cego.

JS – O que é que é ver meio por cento?
MS –
Meio por cento é ser tecnicamente cego, mas felizmente ando sozinho, saio, faço atletismo, não ando com a bengala na rua e consigo fazer a minha vida pessoal e profissional à vontade... é claro que há pessoas que estão muito melhores do que eu, tal como existem outras que precisam da minha ajuda!

JS – É complicado para um casal com tão pouca visão educar duas crianças?
MS –
É complicado mas é possível! Há truques e por vezes o que se torna complicado é fazer com que os filhos entendam a cegueira dos pais. Quando era miúdo, o meu filho não aceitava muito bem o facto da mãe ser albina... a minha filha aceitou melhor, mas ele foi o primeiro! Nunca escondemos a nossa deficiência a niguém, aliás, quem o faz é palerma porque não dá para esconder...
De qualquer forma, antes de nos casarmos fizémos exames, não queríamos mais cegos para o Mundo porque é complicado! Mas soubémos que eles não iam ser cegos, podiam ser se eu fosse o albino e não a minha mulher, mas ao contrário não havia qualquer problema e agora tenho ali um grande rapaz e uma grande rapariga!

JS – Muitas pessoas perdem a visão em adultas e ficam bastante revoltadas. O que é que podemos fazer para as apoiar?
MS –
É perfeitamente normal que uma pessoa que vê bem, tem um acidente e cega, fique revoltado porque o Mundo parou ali! Temos de o entender – e esse papel cabe essencialmente à família – e ajudá-los, provar que o Mundo não acabou, ajudá-lo na reabilitação. Actualmente os computadores falam e esse é o nosso Mundo! Não é a vida quotidiana que se tem de adaptar a nós, nós sim, temos de ter a capacidade de nos adaptar!

“Não é a vida quotidiana que se tem de adaptar a nós, nós sim, temos de ter a capacidade de nos adaptar!”

JS – O convívio com outros cegos é importante na reabilitação?
MS
– Sim, é muito importante! Podemos aprender uns com os outros e a inteligência é comum a cegos e a não cegos. Nós também vemos, mas de outra maneira, ouvimos, sentimos e imaginamos! Muitos familiares esquecem que é essencial levar o cego para o convívio. Quando as pessoas ficam deficientes não se tornam em nenhuns bichos, precisam de aprender e de ser apoiadas, não podem ser protegidas nem escondidas!

JS – Quais são as principais iniciativas promovidas pelo UCAS?
MS –
Como disse há pouco estamos um pouco parados por causa do meu acidente. A festa de carnaval não se realizou, mas temos um seminário agendado e todos os anos promovemos férias na Quinta do Crestelo. Também temos excursões que fazemos em autocarros que nos são cedidos pela Câmara Municipal do Seixal (CMS) e que têm de ser muito bem organizadas, porque se um grupo de pessoas normais visuais vê um museu em quinze minutos, um grupo de cegos demora duas horas no mínimo, porque vêm perguntando as coisas.
O ano passado também realizámos o II Torneio de Goalball, um desporto para invisuais e amblíopes que surgiu após a II Guerra Mundial para ocupar os combatentes que cegaram e que esteve integrado na Seixalíada.
Já agora, para além da referência à Junta de Corroios e à CMS, sem esquecer o vereador Joaquim Santos e a técnica Raquel Falqueiro, tenho ainda que destacar a apoio que temos tido da Fertagus, que nos permite viajar gratuitamente entre Lisboa e Seixal nos dias em que se realizam os nossos eventos.

JS – Essas iniciativas destinam-se a que idades?
MS –
A todas! Temos crianças e adultos mas as idades não importam, é essencial conviver e partilhar truques, porque os cegos vivem de truques! Em casa têm de ter tudo arrumado no mesmo sítio para não perder as coisas, aqui em casa a pessoa cega é que mexe nas coisas, para arrumar tudo no mesmo sítio! Na rua é uma selvajaria própria de pessoas com uma mentalidade pobre, os cegos têm de aprender a desviar-se dos obstáculos, a ter referências, saber o nome de casas comerciais, contar os degraus dos passeios, o sol também nos indica se há uma abertura e que ali pode haver uma rua... estas são formas de nos defendermos dos outros!

JS – Como é que os invisuais podem chegar até si?
MS
– Os interessados podem contactar-me através do recente e-mail da associação, ucasrumoaofuturo@gmail.com, para o meu endereço pessoal que é manuelvsaraiva@hotmail.com ou ligar para o telefone número 966 05 87 93.

Jornal do Seixal, edição 85, Abril 2010