26.3.07

MANEL NETO
e os Deuses do Meco

Manuel Neto entrevistou o Spínola e rumou para os Fuzileiros, decidiu dar a volta ao Mundo e caiu de pára-quedas na casa da viúva de John Kennedy, regressou ao Jornalismo e cobriu a Guerra do Golfo.
Em 2005, o Manel - como é conhecido – despediu-se do Diário de Notícias (DN) e veio descobrir a inspiração e a energia provenientes de um elemento local: a Terra do Meco. É aqui que trabalha actualmente em artes plásticas.

Foi numa manhã pouco chuvosa que o Nova Morada se encontrou com este homem dos muitos ofícios. “Não traga saltos altos” tinha já representado um presságio para o que aí viria: na estrada que segue da Aldeia do Meco para a praia, a indicação: “Feira no Picadeiro, show-room de artesanato, cerâmica e produtos naturais”. Algures, duas éguas e um potro - nascido há uma semana - e também alguma lama faziam parte da passadeira verde para o atelier de artes plásticas. Foi nesse espaço que Manel Neto nos falou dos seus projectos, da simpatia das nossas gentes e das pessoas que andam “aflitas”, em busca de respostas. Ao presidente da Câmara Municipal de Sesimbra deixou a sugestão: “ponha os olhos em Tavira”!

O Manel concluiu a Escola Superior de Meios de Comunicação Social no início dos anos 70 e depois disso integrou as redacções de diversos jornais. Como foi a transição do antes para o pós 25 de Abril?
Foi uma experiência única, mas tive muito pouco tempo. Quando se deu a revolução eu trabalhava no jornal O Comércio, entrevistei o Spínola e em Maio fui logo chamado para os Fuzileiros.

Que diferenças marcam o que era escrito nessa altura e agora?
Mudou muita coisa, mudaram os temas, mudou a paginação que hoje em dia é global e antigamente era mais familiar. Lembro-me que no Diário Popular debruçavamo-nos muito nos problemas de Lisboa, hoje em dia existem as guerras todas, os ambientes, os climas, as tragédias... a própria linguagem escrita também se modificou bastante, agora é mais liberta. O jornalismo é mais especializado e perdeu um pouco o encanto, os jornalistas especializaram-se em áreas, o que tornou a competição menos engraçada. O que é feito hoje é com menos amor, com menos paixão. Salvo raras excepções, o jornalismo é mais medíocre do que era há 20 anos atrás.

Consegue identificar o acontecimento mais marcante na sua carreira como jornalista?
Tive dois completamente distintos. Um foi a Guerra do Golfo. Já tinha estado em Israel a preparar o terreno. Fui antes da Guerra, apanhei-a e estive lá três meses com um grupo fantástico de jornalistas portugueses que foram ter comigo. O outro acontecimento marcante foi a minha passagem pela casa da Jacqueline Kennedy Onassis como bartender.

Como surgiu a oportunidade de trabalhar como bartender de Jacqueline?
Foi uma coisa repentina que aconteceu na década de 80, eu nem estava a exercer o jornalismo mas a dar a volta ao mundo por iniciativa própria. Haviam despesas e tinha de trabalhar, a oportunidade de ir para casa dela como bartender surgiu quase como um milagre. Ainda lá estive uns meses largos...

Recorda-se de algum episódio engraçado passado nessa altura?
Sim, uma das visitas lá de casa era o Robert Redford (actor americano) e há um mês atrás eu tinha pedido uma entrevista com ele. Nos Estados Unidos não é como cá, temos de passar por uns 5 secretários até chegarmos ao primeiro secretário que nos dá a resposta ao que queremos. Ele disse-me então “sim senhor, o Robert Redford dá-lhe uma entrevista precisamente daqui a 5 anos”, eu perguntei se ele estava a brincar e ele disse que não, que era mesmo assim. Um dia estava em casa da Jacqueline, tocou o telefone e era o Robert Redford a dizer que afinal estava ocupado e não podia ir lá jantar. Tive vontade de dizer “oh meu imbecil, só daqui a 5 anos é que me dás uma entrevista?”, isto foi uma coincidência muito engraçada. Nunca o cheguei a entrevistar nem ele soube que eu era jornalista. A Jacqueline também não sabia, quando foi informada pelos serviços secretos norte-americanos, despediu-me.

Para além destas profissões frequentou cursos de fotografia, de pintura e de cerâmica. Estava cansado do jornalismo ou simplesmente curioso?
Curioso.

Há quanto tempo começou a realizar exposições?
Não posso precisar, mas foi por volta do ano ‘85. A primeira foi na Casa da Imprensa e depois disso seguiram-se muitas outras, mas mantendo sempre a profissão de jornalista. Felizmente nunca pintei para sobreviver porque se assim fosse hoje já tinha morrido à fome...

Entretanto rescindiu com o DN e mudou-se de Lisboa para o Meco. Trazia algum dos actuais projectos na manga?
Sim, claro. Quando decidi rescindir com o DN e fazer uma pausa, ou mesmo dar um ponto final, sabia que tinha imensas coisas para fazer, porque não sabemos o dia de amanhã... queria pintar e estar próximo de Lisboa, pelo ambiente Cultural que Sesimbra não tem, as galerias, os artistas...
Achei que o Meco tinha campo e mar e por isso vim para cá em 2005 e espero por cá continuar.

Já se envolveu em alguns projectos realizados no Concelho?
Já, mas muito pouco porque o Concelho tem poucos eventos, nem uma galeria tem, ao contrário da Caparica ou de Palmela, que tem uma galeria óptima.

O Manel disse que “num ápice tudo mudou”. Trocou “a internet pelos passeios na praia, a nostalgia do pôr do sol em momentos de glória e a adrenalina pelo Bar do Peixe”. Este pôr do sol é mais inspirador do que o da cidade?
Não é o sol, é a terra. Esta Região tem uma energia que sai da terra. Isso sente-se e não sou o único que o diz. Muitas pessoas que têm cá casa não abdicam de vir ao Meco no fim-de-semana porque recebem um banho de energia para regressarem a Lisboa.

Porque é que escolheu estas cavalariças para construir o seu atelier?
Porque é pinhal, tranquilo e há aqui sombra no Verão. Posso ir tomar um banho à praia e tenho ainda a vantagem da companhia de duas éguas e de um potro.

Trabalha num espaço a que dá o nome de “show-room”. O que é que é feito aqui, em concreto?
Fundamentalmente é a minha pintura. Também tenho para divulgação, não para venda, alguns produtos de artesanato como mantas e candeeiros de Monsaraz e tenho produtos naturais, umas compotas óptimas de uma quinta em Sintra que tem uma sociedade com a quinta Casal dos Frades, no Meco.

A estrada que dá acesso a este atelier não é compatível com saltos altos ou com solas finas. Isso pode constituir um impedimento para que as pessoas visitem o espaço?
É, mas eu também não queria ter este espaço à beira da estrada porque nesse momento deixava de pintar para receber as pessoas, aqui estou mais resguardado. Só quem quer conhecer a minha pintura, trocar impressões ou comprar um quadro é que se aventura a vir cá propositadamente. No Verão isto é um ponto de passagem para a praia e há muitas pessoas que aproveitam e querem conhecer porque acham que este é um ambiente divertido, com os cavalos à solta, os cães e a tenda que fica montada lá fora.

O Manel falou de “uma forte corrente energética no Cabo Espichel”. Tem algum plano especial para conceber ali?
Não, vou lá bastante porque gosto muito do espaço e tenho pena por estar como está, não há meio de aquilo voltar a ser uma coisa decente. Não sei se a concentração dos motards ao domingo é uma boa ideia, mas da forma como aquilo está não atrasa nem adianta. Penso que se o Cabo Espichel estivesse nas mãos dos espanhóis já tinha uma pousada, boutiques, lojinhas, mas dá-me a ideia de que neste Concelho as coisas andam muito devagar. Penso que da forma como as coisas se processam vai ser muito difícil desenvolver um bom projecto porque há muitas burocracias e impedimentos. Tenho a ideia de que só a nível da construção civil é que as coisas se processam, mas sem regra. Podemos ver a construção desenfreada que está a surgir na Aiana e em Alfarim, sem qualquer rigor nem método. Estou convencido de que se for feita a via rápida que liga a Lagoa de Albufeira à Caparica isto vai-se tornar numa extensão da Caparica e as pessoas vão invadir isto. No Verão o Meco torna-se insuportável por estar cheio de gente e no Inverno insuportável por não ter ninguém.

Que alternativas encontra para o desenvolvimento do Concelho?
Tem de ser um Plano muito bem estudado, essa não é a minha área. Eu sei que já foram chumbados vários projectos, como um aqui no Picadeiro em que foi pedido à Câmara para se construirem umas casas de madeira e fazer um género de turismo rural, para alugar aos fins-de-semana aos estudantes, por exemplo. Só com parques de campismo não vamos lá!

Já muito foi dito, mas acrescenta na sua página pessoal que está “embrulhado num turbilhão de energias, cada qual a puxar para seu lado”... Ainda há mais?
Agora vou ter duas exposições muito importantes. Numa vou expôr grande parte da minha obra e algumas mantas de Monsaraz, o projecto chama-se “Pintar a Manta”, e vai-se realizar no Museu da Água. Depois tenho outra exposição da POLIS - Programa de Requalificação Urbana e Valorização Ambiental das Cidades, em Portalegre. Para já são esses os projectos que tenho de concretizar. Preciso de divulgar a minha obra e aqui é muito difícil.

Estamos numa época em que diversas pessoas se interessam pela arte e pelo esoterismo. Acredita que este facto se deve a uma busca interior ou à multiculturalidade?
A uma busca interior sem dúvida nenhuma. Esta é a resposta ao stress do quotidiano. As pessoas estão perdidas, desencontradas e aflitas. Há aí muita gente aflita. Esta é uma resposta interior e inconsciente.

Que surpresas encontrou no Meco?
As pessoas aqui são muito mais afáveis e empáticas... Há muita humidade no Inverno... Mas surpresa, surpresa, talvez as estradas que deviam ser arranjadas, os carros que deviam circular com limite de velocidade, a construção que devia ser mais ordenada... Falta um piano-bar e uma galeria de arte mas a nível de restaurantes estamos bem servidos. Se houver boa vontade as coisas vão lá, basta que a Câmara se empenhe, enquanto há tempo. A obra construída em Sesimbra, junto ao mar, está muito boa, mas ainda se pode dar uma volta a isto e fazer como fez o presidente da Câmara de Tavira, Macário Correia, que não só a mantém bem arranjada como está a criar vários pólos culturais e a atrair imensos artistas para a Cidade.

Nova Morada, edição nº 307, 08 Dezembro 2006