23.8.07

José Oliveira
O BAILARINO DAS ESTRELAS

Duplo de grandes actores como Marcello Mastroianni, Sean Connery, Jeremy Irons ou Mickey Rooney, José de Oliveira foi dançando por entre estrelas como só um exímio dançarino é capaz.
Com 80 anos, “o Oliveira” continua a percorrer as ruas de Campo de Ourique, um Bairro “que é um luxo” e por onde deseja continuar, com a vitalidade de um jovem que se recusa a parar no Jardim para falar sobre doenças, é que na Parada há muito mais a fazer, “como tomar um banho no lago”!

José de Oliveira ocupou o lugar que as estrelas não conseguiram atingir! Ex-praticante de diversas modalidades como o basquetebol, maquinista naval de profissão, dançou e guerreou junto de inúmeras vedetas de Hollywood e participou em filmes de renome como “A Casa da Rússia”, “A Casa dos Espíritos”, ou “Os Canibais”, de Manuel de Oliveira, o seu realizador preferido. Foi em ’94 que o duplo deu por finda tal carreira, quando se fez passar por Marcello Mastroianni, no filme “Afirma Pereira”.

Como é que a sua vida “dupla” teve início?
Na minha adolescência joguei basquetebol, andebol e futebol, naquele tempo não se arranjava um emprego em desporto nem se ganhava dinheiro para jogar. Eu era novo, andava na Machado Castro e fui jogar basquetebol para a CUF, onde fiz 42 anos de serviço. Na altura, a minha mulher inscreveu-me como figurante e só depois comecei a fazer de duplo. Fui aprendendo técnicas para aplicar enquanto duplo e aprendi a dar mocadas da maneira como uns franceses me ensinaram…
A primeira vez que trabalhei como duplo tinha uns 40 anos, foi no Ginjal, onde contracenei com pessoas da luta livre para simularmos que andávamos à pancada!

Chegou-se a magoar com essas pancadarias?
Aquilo é tudo a brincar, a brincar mas por vezes aleijávamo-nos!

Como se iniciou na arte de duplo dançarino?
O papel mais interessante foi aquele em que tive de dançar com artistas. Assisti a uma cena de dança e disse “isso não é assim” e perguntaram-me se eu sabia dançar e eu fui. A partir desse dia passei a ser duplo dançarino!

Aliás, é bastante conhecido nos Alunos de Apolo…
Sim, desde os 12 anos que danço na Apolo e sou o sócio numero 4! Continuo a ir às matinés e dantes também gostava muito de ir aos bailes promovidos pelo Clube Atlético de Campo de Ourique - CACO, que por várias vezes foi campeão de Hóquei em Patins e de Ciclismo – já ouviu falar sobre o Faísca?!?!?!

Alguma vez foi maltratado por um realizador mais exigente?
Não houve nenhum que me tratasse mal, mas o realizador com quem mais gostei de trabalhar foi o Manuel Oliveira, que é um homem fora de série! Não só é o melhor português como também é dos melhores do mundo! Ele sabe muito mais do que muitos americanos que por aí andam! Ainda agora recebeu um prémio em Cannes e é o realizador mais velho do mundo!

O seu papel no Barco do Amor foi apaixonante?
Eu entrava no Barco do Amor para dançar, porque os actores não sabem… participei nas filmagens que foram feitas em Portugal e em Espanha, no estreito de Gibraltar!

Qual a actriz com quem mais gostou de dançar?
A rapariga com quem mais gostei de dançar foi a Romero uma francesa que dançava muito bem! Normalmente as actrizes precisavam de duplas, as figurantes sim, sabiam dançar muito bem…

E qual o actor mais “rude” com quem contracenou em cenas de pancada?
Não posso dizer rude, mas talvez o Tarzan Taborda, que tinha uma boa figura e que arranjava a rapaziada para esses papéis e dizia, “epá, tu que és bom para a porrada, anda cá”!

Sabemos que também conheceu o barbeiro do Fernando Pessoa. Que memórias lhe foram passadas quanto ao poeta?
Eu conheci foi o filho do barbeiro do Fernando Pessoa, que me contava coisas do pai. O Fernando Pessoa costumava passar pelo barbeiro e seguia para o Chiado, onde ia beber a bica…

Sente alguma nostalgia ao comparar o Campo de Ourique de hoje ao de antigamente?
Não… mas tenho pena, naquela época todas as pessoas se conheciam no Bairro. Andava muita gente por aqui e todos passávamos pela escola da Câmara, naquele tempo havia professores a sério!
Campo de Ourique sempre foi um sítio de luxo, a estreia da RTP foi aqui e o próprio cinema Europa foi utilizado para várias gravações de programas televisivos.
Este Bairro é um shopping autêntico, não falta aqui nada! Tem aqui muito comércio, como ainda tem e de boa qualidade, mais barato do que na Baixa!

E que tipo de aventuras e “traquinices” viveu nestas bandas?
Recordo-me de um episódio que passei no Jardim da Parada. O Jardim era composto por dois lados muito engraçados que até tinham rãs. Nós íamos de um lado para o outro e parávamos ali. Certa vez eram cerca das 2 da manhã e fomos tomar banho para o lago, que na altura tinha uma cascata. Apareceu a polícia e fomos para a esquadra. Mas depois libertaram-nos!

O senhor Oliveira participou em cerca de 60 filmes, é com saudosismo que recorda as salas de cinema que dantes aqui existiam?
Tínhamos o Europa, o Paris e o Jardim Cinema… acho mal empregue!
Havia aqui muita gente, a Aida Baptista, por exemplo, que era animadora do Cinema Paris, que agora foi votado aos ratos…
Tenho pena dessas salas terem fechado, ainda me lembro dos senhores que fumavam lá dentro… agora só temos o Amoreiras!

Considera-se uma pessoa famosa em Campo de Ourique?
Sou uma figura pública, conheço muita gente porque sempre dancei aqui! Vivo em Campo de Ourique desde que nasci e conto ficar por cá.
A minha mulher Lídia de Oliveira também era conhecida, foi uma mulher excepcional e com quem tive dois filhos adoráveis, ele vive na Charneca da Caparica mas já comprou casa aqui no Bairro, ela mora em Carcavelos.

É o sentimento bairrista que traz as gerações mais novas de volta ao Bairro?
Sim, além disso temos aqui tudo, temos imensos autocarros, temos o Amoreiras que é um centro comercial diferente dos outros e que é mais familiar…
A população era e ainda continua a ser bairrista, tem muito carisma! As próprias árvores do Jardim da Parada têm 200 anos!


Jornal do Bairro, edição nº 9, 25 Maio 2007