23.8.07

Ezequiel Lino
QUINTA DO CONDE, UMA TERRA “CLANDESTINA”

Venceu vários mandatos consecutivos, quase todos com maioria absoluta e foi durante (pouco) mais de duas décadas presidente da Câmara Municipal de Sesimbra. Ezequiel Lino voltou a dar que falar quando, no passado mês de Junho, travou um duro debate naquela que seria a amistosa cerimónia de celebração dos “30 anos do Poder Local”. Uma discussão que a seu ver foi motivada porque “a cerimónia surgiu para fazer uma retrospectiva da História e o que se estava a tentar fazer era falar sobre o presente”.

Foi há dez anos que Ezequiel Lino pôs de lado duas décadas de presidência do Município de Sesimbra. Querido por uns, criticado por outros, o ex-presidente defende que mais não fez pela Quinta do Conde porque tal não foi possível. Assumindo agora a função de vice-presidente da Região de Turismo da Costa Azul, o ex-autarca recordou ao Condense os primeiros passos da Vila, quando esta era ainda criança até crescer e se transformar no que é hoje, “uma casa construída ao contrário”. Foi com alguma surpresa que Ezequiel Lino soube que existe mesmo uma avenida com o seu nome, na localidade que um dia conheceu como um mero e gigantesco pinhal...

Disse recentemente, numa entrevista, que sempre pertenceu a Sesimbra e que em pequeno vivia na Maçã e percorria 7 km a pé para ir para a escola. O que é que a Quinta do Conde era nessa altura?
Em miúdo ninguém falava na Quinta do Conde, mas lembro-me de um tio que morreu numa aldeia ali próxima... era a única aldeia de Sesimbra que se situava fora da zona e eu costumava ir para lá passar férias... posso dizer que a Quinta do Conde era um imenso pinhal a perder de vista e onde íamos à caça das pinhas, de camarinhas e de outros frutos campestres.

No período pós 25 de Abril foi eleito presidente da Câmara Municipal. Quais eram as suas prioridades para o Concelho, quando ali chegou?
Eu fiz parte da Comissão Administrativa da Câmara e por razões circunstanciais, porque na altura era dirigente do Sindicato dos Bancários a tempo inteiro, fui incumbido pelos meus colegas de direcção de integrar a Comissão. Fui libertado das funções sindicais para assumir essa Comissão e ao chegar à Câmara as prioridades eram essencialmente a Vila de Sesimbra e a Freguesia do Castelo com as suas aldeias. A Quinta do Conde continuava a não existir, se bem que começava a ser uma realidade em termos de residência de pessoas que ali tinham construído as suas casas de forma ilegal e por isso mesmo não constavam nos arquivos Camarários, mas era uma realidade que não podíamos ignorar. Não me recordo se fui eu ou a população a estabelecer um primeiro contacto, mas em ‘74 levei o assunto a uma sessão da Comissão Administrativa onde foi dito que “a Quinta do Conde neste momento não interessa”, porque ainda não estava legalizada. O Xavier de Lima tinha construído um depósito, tinha tratado da canalização, dividiu-a em lotes e as pessoas começaram a construir sem licença. Penso que este e outros fenómenos chamados clandestinos se devem a vários factores, um chamado a migração interna, porque o país começava a ter dificuldade em arranjar empregos e a Quinta do Conde começou por ser povoada acima de tudo por alentejanos que vieram trabalhar nas zonas industriais próximas de Lisboa, como na Siderurgia. Como ali encontraram lotes relativamente baratos começaram a comprar e a construir. Na altura os Poderes podiam ter ajudado as pessoas, pois não se teriam criado muitos problemas, alguns deles que ainda perduram. Eu costumo dizer que a Quinta do Conde é uma casa construída ao contrário, começou-se pelo telhado, depois pelas paredes...

“Havia membros da Comissão que queriam deitar as casas (da Quinta do Conde) abaixo e não deixar fazer mais nada”

Quinta do Conde foi uma das freguesias que mais cresceu, em termos demográficos, em toda a Europa, na década de 90. Foi nessa altura que a Comissão tomou consciência desta realidade?
Não, nada disso! Aqui não gostaria muito de falar em mim porque é um trabalho colectivo, mas gosto de dizer que fui o único que não estive de acordo com a tomada de posição da Comissão em deixar a Quinta do Conde de lado. Ainda nessa altura eu fui lá e enfrentei aquela gente, que naturalmente não estando informada começou a exigir coisas. Coisas básicas, como a água que começava a faltar, a electricidade, a falta de ruas alcatroadas... é evidente que também não tínhamos condições para dar resposta mas não ignorámos a existência de uma realidade que se estava a desenvolver. Logo em 1976, quando tomei posse, tentei travar a construção clandestina, havia mesmo membros da Comissão que queriam deitar aquilo tudo abaixo e não deixar fazer mais nada. Este primeiro raciocínio foi alterado proque a realidade era outra. Aquelas pessoas que ali viviam tinham gasto as suas economias e foram para ali, não porque lhes apeteceu, mas porque o Governo instituído não as soube acompanhar. Eu comecei por organizar as pessoas que já ali viviam e foi então, que entre reuniões com os moradores, começámos por dividir a Quinta do Conde em cinco parcelas.

Porque é que os Condes da Quinta são 1, 3 e 2, em vez de o serem de forma ordenada?
(Risos) não sei... passado certo momento é que os moradores me disseram que havia 5 comissões de moradores, Quinta do Conde 1, 2, 3, Pinhal do General e Boa Água. Desde ’76 que nós a organizámos e que as pessoas começaram a participar. Isto é muito importante e as pessoas têm de se empenhar e de ser sinceras, porque as pessoas sabiam e participavam nas dificuldades. Nunca ninguém escondeu nada a ninguém. Fui presidente da Câmara durante 21 anos e penso que nunca existiu um outro modelo no país relacionado com as AUGIs (Áreas Urbanas de Génese Ilegal), porque na generalidade das Câmaras como Sintra, Loures, Odivelas ou Seixal ninguém fez o que fizémos. Não o fizémos por todos, porque entendemos que esta era a melhor solução, enquanto nos outros Municípios se decidiu atacar o problema dizendo às pessoas para se organizarem e resolverem os problemas, dando apenas apoio técnico. Eram as pessoas que tinham de pagar tudo e no Seixal isso ainda é uma realidade. A Câmara de Sesimbra decidiu não o fazer e optou por sensibilizar e travar a construção clandestina e tentar arrumar o território. Foi então que passámos ao Plano de Urbanização, porque a Quinta do Conde era uma área de 470 hectares dividida em 10 mil lotes para construção. Se queríamos transformar isto numa zona urbana tínhamos de fazer um Plano que disciplinasse a construção e criasse condições para uma futura cidade, ou seja, criando zonas para escolas, centros de saúde e todos aqueles equipamentos necessários numa urbe.
Seis anos após a construção do Centro de Saúde apareceram na Câmara os donos do terreno, que eram emigrantes e que tinham comprado os lotes em Paris...

Concorda com o Plano de Urbanização recentemente aprovado?
Posso dizer que o primeiro Plano não foi definitivo, foi feito com o principal objectivo de travar a construção clandestina, se bem que já incluia escolas e outros equipamentos, mas não era definitivo. Nenhum o é...
Lembro-me que quando discutimos o Plano cada lote era com uma casinha, mas tinham de desaparecer lotes para construção e ali criar espaços para equipamentos do Desporto, da Saúde, de zonas verdes e de outras actividades. Os donos dos lotes tinham de ser compensados e para serem compensados tinham de haver contrapartidas, como a construção de moradias com mais de um piso.
Posso-lhe dar um exemplo... o Centro de Saúde ainda é o pré-fabricado, o que é uma vergonha! Nós, na altura, decidimos avançar com esse pré-fabricado para ser o primeiro equipamento para a Saúde, pois o Governo, através do Ministério da Saúde, que é a entidade responsável, nada fazia. Uns anos mais tarde apareceram na Câmara os donos do terreno do Centro de Saúde porque na altura não sabíamos quem eram, pusémos o edital – como manda a Lei – mas os donos não apareceu ninguém porque aquilo era público. Passados uns seis anos apareceram os proprietários que eram emigrantes e que tinham comprado os terrenos em Paris. Isto hoje parece uma anedota, mas às vezes irritava-me porque as pessoas eram injustas por criticar sem saber a História. A crítica é boa, mas deve ser feita com conhecimento de causa...

Qual é a grande prioridade, neste momento, para a Vila?
Saí da CMS há dez anos, mas posso-lhe dizer que a Quinta do Conde estava a evoluir para ser uma Vila – não sei se amanhã virá a ser uma cidade – mas no fundo queríamos uma urbe com qualidade de vida e estava a avançar nessa perspectiva. O que as pessoas diziam e continuam a dizer é que as coisas foram evoluindo de forma muito lenta, o alcatroar das estradas, os esgotos... e as pessoas queriam as coisas mais depressa, mas a verdade é que não havia verba. Quando concluímos o primeiro Plano da Quinta do Conde, eu e as pessoas da Comissão tínhamos andado a procurar ajuda para a reconverter numa zona urbana, inclusive procurámos apoio de ordem financeiro. Nessa altura a Câmara dava um terço, a população outro terço e o Governo o restante. Se a memória não me atraiçoa, a primeira contribuição da comunidade foi para a central elevatória. Quando apresentámos o Plano ao Governos disseram que tinha de ser alterado e que “quem fez o Plano, pague”! O Ministro das Obras Públicas e da Habitação, o engenheiro Porto disse-nos isto frontalmente, na década de 80! Se tivéssemos o apoio Central não teríamos todas estas dificuldades... Todo o processo foi lento porque a Câmara não dispunha de verbas e não usufria de verbas...

“É necessário saber como é que nasceu a Quinta do Conde, que caminhos é que tivémos de percorrer, que meios tivémos ao nosso dispôr e as dificuldades...”

Na cerimónia que celebrou os 30 anos de Poder Local Democrático, em Sesimbra, contestou duramente os críticos quanto à sua gestão do Município. Quer expôr as suas ideias agora?
A polémica que eu levantei foi porque a cerimónia surgiu para fazer uma retrospectiva da História e o que se estava a tentar fazer era falar sobre o presente. É muito fácil olhar-se para trás, ver as coisas e dizer “isso está mal”! Mas o difícil é saber “como é que aquilo chegou ali?”, só nessas alturas é que as pessoas têm condições para criticar. As coisas não foram feitas ontem nem anteontem. O que eu disse foi “vocês conhecem a História? Então vamos fazer um levantamento histórico”! E nesse levantamento vamos fazer a crítica! E não era isso que se estava a fazer... Havia uma falta de rigor e de causa, “como é que foram feitas as coisas?” e eu era o actor, com mais conhecimento de causa, que ali tinha estado mais tempo. Se me dissessem que “há vinte anos você fez isto e não aquilo” eu diria “ok, vamos lá analisar porque é que foi feito daquela maneira”... mas é necessário saber como é que nasceu a Quinta do Conde, que caminhos é que tivémos de percorrer, que meios tivémos ao nosso dispôr e as dificuldades... O que não significa que não existam críticas! A saúde básica da democracia é a diferença de opiniões e de ideias, mas essa diferença deve ser séria e baseada em factos! Não é por sermos de ideologias diferentes que não temos de estar de acordo...

“Temos de trabalhar para que não se destrua a pérola da Costa Azul...”

Neste momento é vice-presidente da Costa Azul, que iniciativas têm previstas para o desenvolvimento desta Região de Turismo?
A Costa Azul é uma Instituição cujos estatutos são essencialmente canalizados para a promoção. Temos uma realidade, um produto mar e sol, Cultural, Gastronómico... Cabe à Região de Turismo analisar o que há de bom, catalogá-lo e divulgá-lo no país e no estrangeiro.
Não quero ser parcial, mas Sesimbra é dos Concelhos da Região que mais tem do ponto de vista turístico, porque além da componente sol e mar tem uma componente patrimonial como o Cabo Espichel e o Castelo, uma componente Cultural-Económica ligada à pesca – que infelizmente está a decair – e que faz dela um dos Concelhos mais importantes a nível do Turismo. Penso que continuará a sê-lo embora haja ainda muito a fazer. Há empreendimentos que têm certas intenções com que tem de haver cuidado. O maior pulmão da Área Metropolitana de Lisboa era a Mata de Sesimbra, um tampão agradável e fundamental e temos de trabalhar para que não se destrua a pérola da Costa Azul.

Quando saí da Câmara havia um orçamento de Estado para a recuperação do Cabo Espichel e apesar das limitações que existem não podemos esquecê-lo! A nossa Região, como é o caso da Arrábida cujo Parque Natural é um ex-líbris do país, tem de ser protegido...

Qual é a sensação de contar já com uma Avenida com o seu nome, no Casal do Sapo?
Não sabia! (Risos) Fico surpreendido... Lembro-me de uma brincadeira em que chegaram a colocar uma placa – penso que na Freguesia do Castelo – com o meu nome. Eu não estive muito de acordo e pensei que tivesse passado à História... Isso é definitivo?!?!?!

O Condense, edição nº 29, agosto 2007