1.4.07

Dia do Pai Abandonado
CELEBRAÇÃO DE UMA TRISTE REALIDADE

Para que um Pai possa ir existindo também tem de envelhecer. Na próxima segunda-feira, 19, festeja-se mais um Dia do Pai: babado, feliz e presenteado pelas artes do consumismo que o fazem sentir honrado por ter contribuído para a nobre existência de filhos especiais, como qualquer um de nós! Mas para além dos imensos tutores acarinhados pela família existem ainda aqueles que, quis a (in)justiça da vida, para além da solidão apenas aguardam a vinda de um filho que não chega, que não o visita nos habituais fins-de-semana, que o esqueceu numa casa devoluta ou o depositou num asilo e que nunca mais voltou para o contemplar com a magia da sua presença. É sobre esses pais que o Nova Morada se decidiu a falar...

O abandono dos idosos não é uma mera questão sentimentalista mas uma mancha vergonhosa nas estatísticas nacionais. Exemplo disso é o triste fenómeno de suicídio que atravessa o Baixo Alentejo, onde a taxa de mortalidade atinge 24 em cada 100 mil habitantes, com especial incidência entre os idosos do sexo masculino com idades superiores a 64 anos. A desertificação, o isolamento e a pobreza são alguns dos factores responsáveis por um índice que faz da taxa do suicídio no Alentejo uma das mais altas do mundo!
Ao contrário do que acontece em muitas famílias alegadamente felizes e em que as mães não esquecem a data para que as suas crianças presenteiem os pais com lembranças e afectos, há por aí muitos idosos deixados ao acaso, viventes em lares e cheios de desculpas para justificar a ausência dos filhos “atarefados” que não vêm, mas que em breve “quem sabe cá passem”, ainda que para uma despedida final.
De acordo com a Organização Mundial de Saúde, “apenas 30% dos idosos do mundo inteiro estão actualmente a receber pensões de reforma ou subsídios de velhice e invalidez, o que torna muito precárias as suas condições de existência e os expõe a riscos acrescidos de violência, uma violência que tanto pode ser exercida em ambiente familiar como institucional ou social”.
Leonel Britos Palma, ou Lenito como é conhecido entre os amigos tem vindo a dedicar grande parte da sua vida aos idosos. Para além do tempo que lhes dispensa por gosto enveredou por esse ramo profissional sendo de momento psicopedagogo especializado em gerontologia social e em psicopatologia clínica. Proprietário do Lar “Familiar”, na Quinta do Conde, falou-nos da solidão e do abandono dos mais velhos, o que nos permite compreender que apesar de haver um Dia do Pai há muitos filhos que se esquecem dos seus, dia após dia...

Lenito, és especializado em gerontologia social, explica melhor o significado desse “palavrão”!
Gerontologia social refere-se à temática do idoso na sociedade e aos aspectos psico-sociais inerentes.

Estando esta entrevista relacionada com o Dia do Pai, tenho de perguntar se já assististe ao abandono de muitos pais nos lares onde tens vindo a trabalhar...
Essa é uma situação que os lares têm bem presente, não é muito frequente mas existem alguns casos em que os familiares visitam os pais muito raramente. Existem inclusive idosos que não recebem quaisquer visitas.

Que motivos encontras para justificar esse desamparo?
Quanto a mim há diversas razões, razões afectivas, de distância geográfica ou até mesmo financeiras. Cada situação é distinta, não há um ponto comum...

Este é um tema tabú para os idosos ou eles falam sobre a ausência da família sem preconceitos?
De acordo com os exemplos que tenho em mente, sim, eles falam sobre o assunto. Referem-se à falta da visita dos familiares e chegam mesmo a entrar em estados depressivos. Todos gostamos de visitas ou da proximidade de familiares e quando isso não acontece gera-se um sentimento de abandono, que é frustrante!

“Temos uma pessoa que se lamenta e chora por se sentir abandonada pelos próprios familiares”

Podes-te referir a algum caso específico que tenhas presenciado?
Sim, tenho uma situação já de longos anos... A pessoa está há muito tempo connosco mas como está bem integrada socialmente tem a sua rotina diária e não parece sentir falta da família.
Temos outra pessoa que se lamenta e chora por se sentir abandonada pelos próprios familiares.
Outro caso que me veio à mente é o de uma pessoa que está revoltada, agressiva, maldizente e acredito que essa agressividade e essa revolta resultem precisamente do abandono.

Há quanto tempo é que essas pessoas já vivem no lar?
Depende, mas temos quem esteja há 3, 4 e mesmo 10 anos...

Esperas que os idosos com quem trabalhas venham a receber um telefonema ou uma visita no próximo Dia do Pai?
No meu caso específico temos muitas mais senhoras do que senhores e esse é um dado estatístico que se tem vindo a comprovar ao longo dos anos. Mas sim, pode existir um ou outro caso de visitas ou de telefonemas para comemorar o Dia Mundial do Pai mas acredito que sejam poucos...

Acreditas que os idosos encarem os companheiros do lar como uma família?
Sim, porque o lar passa ser a segunda morada dos idosos. Eles deixam a sua própria família e isso gera um corte que a médio ou a longo prazo os leva a partilhar afectos e a aceitar os outros residentes e a equipa de trabalho como uma segunda família. Uns adaptam-se mais rapidamente e de forma mais fácil porque aceitam a situação, outros inserem-se no meio com maior dificuldade!

“Ser bem tratado não é viver num lar 5 estrelas mas ter um tratamento 5 estrelas”

Quando envelhecerem, ponderas a possibilidade de integrar os teus pais num lar?
Sim, sem dúvida. É essa a área em que trabalho e para além disso os lares já são bem aceites entre nós. Há 15 ou 20 anos atrás os lares não estavam integrados na nossa mentalidade e as pessoas não aceitavam muito bem essa ideia, mas agora está mais do que comprovado que essas casas são um bem necessário para a sociedade porque a população está cada vez mais idosa e os familiares têm as suas ocupações diárias que os impedem de tratar das pessoas. Não tenho dúvidas nenhumas que um dia mais tarde, se os meus pais precisarem, os ponha num lar. É preciso saber se o lar tem condições e se as pessoas são tratadas humanamente... ser bem tratado não é viver num lar 5 estrelas mas ter um tratamento 5 estrelas.
A componente humana é muito importante, todos precisamos dela!

Há vários países que têm Conselhos de Anciãos. Em Portugal isso não acontece, não aproveitamos a experiência nem a capacidade dos idosos... será que os nossos anciãos estão a ser desperdiçados?
Sim, sem dúvida. A imagem que eu tenho da pessoa idosa em Portugal é um papel denegrido, rejeitado e posto à parte... não há um aproveitamento das capacidades desse ancião, desse sabedor que era considerado na antiga Grécia e mesmo em África, no nosso século. Esse papel está marginalizado porque a sociedade os encara como idosos, doentes e que já não são úteis para a sociedade, acabando por pô-los à margem, mas o papel do idoso devia ser valorizado! Existem exemplos de Câmaras que apostam nos idosos para ajudarem as crianças a atravessar a estrada, há protocolos e programas, mas de uma forma generalizada a sociedade portuguesa está muito longe de aproveitar as capacidades dessas pessoas. No Canadá, por exemplo, têm programas excelentes na ocupação dos tempos livres dos idosos, tanto no acompanhamento das crianças como na segurança rodoviária perto das escolas.... estes são exemplos que vivi quando lá estive em estágio dois meses, percebi que isso é positivo por experiência própria!

O abandono é então uma questão de mentalidade...
Não será bem de mentalidade mas sim política e financeira... Gasta-se muito com os idosos e como eles não têm rentabilidade, não é oportuno que os idosos se integrem em ocupação de tempos livres porque esses têm de ser financiados, patrocinados... Qual é o Estado que está virado para essas despesas sem retorno, quando a própria Europa está em crise? Não será para breve essa mudança de atitude...

Nova Morada, Edição 319, 16 Março 2007