26.3.07

Centenas protestam em barcos
“DEVOLVAM-NOS O MAR DA ARRÁBIDA”

No passado sábado, dia 26 de Agosto, os banhistas das praias de Sesimbra ao Portinho da Arrábida foram surpreendidos por um desfile de centenas de embarcações. Os mais atentos poderão mesmo ter desconfiado de uma mega-operação de tráfico de droga, pois nem a Polícia Marítima faltou ao cortejo, munida de farda e capacetes e abordando o barco de pesca que levava a equipa da TVI, por transportar pessoas sem licença para tal.
Sem cartazes nem gritos de revolta, os pacíficos tripulantes apenas quiseram apelar ao Governo: Devolvam-nos a Arrábida!

No desfile náutico, que teve em vista protestar contra as arbitrariedades e proibições do POPNA - Plano de Ordenamento do Parque natural da Arrábida, participaram mais de 300 embarcações que totalizaram cerca de 500 pessoas, entre elas, o Presidente da Câmara Municipal de Sesimbra, Augusto Pólvora e a Dra. Maria das Dores, futura Presidente da C.M. de Setúbal. Apesar do vento de 30 nós que empurrou alguns barcos para zona interdita e que poderão mesmo vir a ser multados, a iniciativa “superou as expectativas”.
Nessa mesma noite, os noticiários das televisões explicaram o sucedido. No dia seguinte, diversos jornais nacionais relataram o protesto. A população do Concelho já terá visto diversos cartazes de fundo negro anunciando que o “Plano da Arrábida Empobrece Sesimbra”, mas muitos não sabem bem do que se trata.
O Nova Morada partiu em busca de respostas e foi Lino Correia, Presidente do Clube Naval de Sesimbra, que deu o seu parecer em relação ao Plano que, afirma, não passa de uma grande injustiça. “As actividades com acção na área do parque marinho não estão satisfeitas com este regulamento. O que se pretendia era que deixássemos cair os braços e fingir que está tudo bem, mas não está tudo bem”.

Proibido pescar à cana

NM – O POPNA tem duas vertentes, uma marítima e outra terrestre. Quais são as principais restrições impostas à componente do mar?
Lino Correia –Este POPNA tem muito impacto quer na área da pesca profissional, quer na área de recreio, em que as pessoas com embarcações maiores têm de as levar para o Algarve. Temos alguns sócios do Clube Naval que o fizeram porque os barcos superiores a 8 metros não são permitidos aqui, o que é uma restrição perfeitamente absurda. Não há nada que comprove que um barco com 10, 12 metros seja mais poluente do que outro de menores dimensões, até porque as pinturas dos cascos, que seriam o mais prejudicial são hoje ambientalmente sustentáveis. A náutica de recreio pratica-se duas a três vezes por ano, no Verão... Outra questão é a de pescar à cana. Consideramos um autoritarismo o facto de as pessoas que pescavam com a família e os amigos há dezenas de anos terem sido proibidas de o fazer. Na zona de protecção parcial não é permitido pescar. Também a pesca submarina foi proibida. É bom que haja controle e fiscalização mas proibi-la de uma forma global é prejudicar os nossos interesses e expulsar as pessoas daqui.
As motas de água têm um afastamento de 300 metros da costa, mas agora foram proibidas na totalidade. Isso é desnecessário. O Estado não consegue ter controle nem fiscalizar e opta pelo mais simples, que é proibir, mandando os polícias marítimos multar os desobedientes.

Um Plano Fundamentalista

NM – Quais os motivos mais óbvios das contrariedades deste Plano?
Lino Correia – O POPNA contém várias restrições que consideramos desajustadas. O Projecto foi feito de forma aleatória e sem perceber quais as áreas que deveriam ter outro tipo de oportunidades. Por exemplo, na zona de Barbas de Cavalo – identificada no mapa do POPNA – há uma praia natural, muito bonita, a praia de São Penedo. As pessoas gostavam de vir aqui fundear os barcos, mas agora ficou interdita.

NM – Qual é a forma alternativa para chegar a esta praia?
Lino Correia – Esta praia tinha acesso por mar, agora não há forma de lá chegar. Não foram criadas alternativas. A diferença para a náutica de recreio é que não podemos fundear a 400 metros da costa porque o mar tem 40 metros de profundidade. Há rochas e algas, se ali largarmos a âncora ficamos sem ela. Os barcos de recreio não são propriamente muito robustos. É proibido fundear na zona do Portinho da Arrábida, mas consideramos que não é aqui que a biodiversidade está localizada, aqui existe areia, só se pretendem proteger os peixe-aranhas... a biodiversidade está onde existem algas e rochas. Penso que há aqui uma ideia errada. O parque deve estar preparado para promover o recreio das pessoas, não para as expulsar.

NM – Que análise faz às características do POPNA?
Lino Correia – Deve ter sido feito por pessoas fundamentalistas. A rota não foi inventada só aqui. Se verificarmos, as Ilhas Canárias têm uma reserva de 70 mil hectares, ou seja, 70 vezes maior do que esta e a reserva integral corresponde a cerca de 1 ou 2% da área total. Na Arrábida só cerca de 30% não está limitado. Todo o restante é de acesso interdito, o que tem um grande peso face ao restante. O parque deveria servir os pescadores e as pessoas da náutica de recreio. Temos de defender o ambiente mas com condições.
Na zona de algas e rochas faz sentido haver restrições, há muitos peixes a pôr ali as ovas, mas não na areia, a menos que exista um objectivo muito claro de constituir aqui um jardim zoológico, em que o público tenha de pagar para ver os animais.
Isto nasce de uma bandeira política, porque está na moda ser amigo do ambiente. A serra da Arrábida está para passar a Património Mundial pela UNESCO, já há vários anos e não consegue, apesar de ter uma flora muito especial e abrigada. Mas também existem aqui as pedreiras. É muito complicado conseguir isso com os buracões escavados na Serra. O parque marinho foi pensado antes do 25 de Abril e era para ser do tamanho das Canárias, desde o Cabo Raso até ao Cabo de Sines. A ex-Ministra do Planeamento e do Ambiente, Elisa Ferreira, deu um passeio de barco e considerou esta uma boa ideia. Foi complicado chegar a acordo com os pescadores, levou 6 anos. Veio mais radical e fundamentalista e nem com os pescadores se chegou a um diálogo construtivo.

Co-Incineração e cosmética política

NM – Na sua opinião pessoal qual é o maior impedimento à elevação da Arrábida a Património Mundial?
Lino Correia - É a Secil. É a co-incineração. É muito difícil entender e comparar os efeitos da pesca de cana, em que estamos à pesca com um anzol a uma co-incineradoradora a deitar fumo. Não me venham dizer que é a mesma coisa porque não é e não é necessário ser cientista para compreender a diferença. Quando o Governo me diz que não posso estar aqui à pesca com uma cana e ao mesmo tempo isenta a Secil do Estudo de Impacto Ambiental e permite a queima de resíduos tóxicos, eu não aceito. Estamos num país onde se apela à intervenção do público, ao Simplex e ao Participex, mas quando participamos nem nos respondem...Tudo isto faz parte da cosmética política, dar a entender ao cidadão que ocupa um papel importante no sistema mas apenas para o iludir.

NM – Qual a posição dos ambientalistas quanto às interdições?
Lino Correia – Os ambientalistas defendem que deveria ser tudo reserva integral. O problema é que se criou uma reserva marítima onde existem pessoas. Não se podem impôr restrições com este nível de fundamentalismo quando ao lado temos a cidade de Setúbal onde mais de metade dos esgotos são deitados ao rio sem qualquer tipo de tratamento, quando temos um Rio Sado carregado de poluição derivado das indústrias que lá estão a funcionar, quando parte dos pesticidas das aeronaves caem na água e que de certa forma são responsáveis pela poluição que existe aqui. Não existem algas nesta zona porque o rio está extremamente poluído.

NM – Até que ponto podem os barcos afectar os golfinhos do estuário do Sado?
Lino Correia – As pessoas só conhecem uma zona de golfinhos. Há uma outra que tem cardumes com cerca de 30, 40 roazes. Nem a própria pesca mata um animal destes, até porque têm muita força. Eles fazem competição pela captura. Os roazes rompem as redes de pesca, estão sempre a roubar os chocos, devoram-lhes as cabeças... os pescadores profissionais não gostam nada dos roazes!

NM – De que forma é que este Plano prejudica os pescadores?
Lino Correia – Eu não sou a pessoa mais indicada para falar pelos pescadores, mas eles pretendiam uma maior permissão para pescar nestas áreas, devia haver uma alternância, uma forma de reduzir a área de interdição para que fosse considerada uma maior área para a pesca. Neste momento, a situação dos pescadores ainda está num período transitório.

NM – Já houveram muitas pessoas punidas por desrespeitar as novas leis?
Lino Correia – Penso que algumas pessoas já foram multadas por inadvertidamente fundearem em zonas proibidas e limitadas. Quem não está a par das medidas encosta e fundeia sem saber que o está a fazer em zona restrita.

NM – Houve alguma tentativa de dialogar com as associações náuticas e pescadores?
Lino Correia – Esse é outro aspecto, o de não ter havido diálogo nenhum. A lei que institui o Parque Marinho foi feita em Outubro de 1998 e o regulamento que saiu em Agosto de 2005 foi ainda pior do que o inicialmente previsto. É contra este radicalismo que nós estamos. As Associações de recreio, quer o Clube Naval de Sesimbra, quer o de Setúbal e outras associações, nunca foram ouvidos. No período de inquérito público apresentámos diversas propostas que nem resposta mereceram. O Instituto de Conservação da Natureza tinha de responder a estas propostas e nunca o fez. Só respondeu a algumas entidades camarárias. Penso que houveram negociações com os pescadores, mas de forma muito diminuta.

NM – Superadas as expectativas do protesto, qual é o próximo passo a dar?
Lino Correia – A náutica de recreio está convicta de que existe espaço para um diálogo. Isto é uma grande injustiça, a biodiversidade não está nesta zona da praia!

Recorde-se que o desfile partiu da iniciativa do Clube Naval de Sesimbra e Setubalense, do Fórum Sesimbra, da Sesibal, da Federação Portuguesa de Actividades Subaquáticas e de diversas empresas do sector náutico da região.

Nova Morada, Edição nº 298, 2 Setembro 2006