17.3.08

Mulheres aliciadas para trabalhar no Reino Unido
ELDORADO DE FOME E DIFICULDADES

Oito mulheres foram aliciadas a ir trabalhar para a Inglaterra com a promessa de trabalho e 1900 euros de ordenado que, chegadas ao destino, simplesmente não existiam.
Maria Silva faz parte do grupo que rumou à Ilha de todos os presentes - neste caso, envenenados – e revelou-nos o pesadelo que viveu desde não ter trabalho a ser obrigada a pernoitar num “palheiro inabitável”.

Porque a idade não perdoa e dado o índice de desemprego a nível nacional, Maria Silva increveu-se na ‘‘Cubislabor’’, uma empresa da área de recursos humanos sedeada no Porto que angaria mão-de-obra para trabalhar noutras agências de trabalho temporário. Os inscritos efectuam o pagamento de 60 euros, uma “anuidade pelo serviço prestado ao candidato de permanência na nossa base de dados”, lê-se no site da empresa.
Em Janeiro, 4 meses após ter pago a inscrição, Maria Silva foi contactada pela ‘Cubislabor’ que lhe ofereceu uma proposta tentadora, a de ir para uma fábrica, em Manchester, na Inglaterra, embalar legumes e sendo remunerada com cerca de 1900 euros mensais. A proposta animou-a a si e às outras 7 mulheres que pagaram 311 euros à empresa para lhes tratar da viagem de avião e que a 4 de Fevereiro partiram, deixando família e duas delas os empregos, para agarrar esta oportunidade.
Em Londres, o grupo de mulheres seria remetido para a ‘Neto Uk’, uma agência de recrutamento sedeada em Stockwell (Londres), propriedade de um empresário português, que as iria encaminhar para a empresa de trabalho temporário e de seguida para a fábrica. Depressa o responsável explicou não dispôr de vagas para as acolher e as oito mulheres acabaram por pernoitar num edifício sem condições situado “num descampado” e tendo mesmo de ir comprar edredões à pressa.
Os 1900 euros prometidos depressa deram lugar a uma nova proposta, a de trabalhar recebendo 5,52£ (libras) à hora (cerca de sete euros) sem horário de trabalho estipulado, pagando diariamente 3,5£ em transportes mais alimentação, electricidade e pensão “daquela espécie de palheiro”, declarou Maria Silva.
Se Maria ameaçou levar a situação a outras instâncias e conseguiu regressar à Quinta do Conde com uma indemnização pelo gasto e transtorno causados, pior foi a sorte de quatro das suas companheiras nesta ‘epopeia’. Duas conseguiram colocação num emprego onde fazem duas horas de trabalho por dia, intercalados. As outras duas estão desesperadas.
“Convence-os a pagarem-me a viagem de regresso! Estou mesmo a passar fome”, lê Maria, comovida, num dos imensos mails que a amiga lhe envia diariamente a dar conta da saga desgastante e interminável.
O Eldorado não chegou a luzir a estas mulheres e pior do que terem partido é o drama de quem investiu as economias nesta viagem e agora não encontra uma solução para regressar.
A ‘Cubislabor’ define-se como uma empresa de “recursos humanos” que apenas angaria candidatos para outras empresas, não sendo empregador nem assumindo qualquer responsabilidade neste género de casos.
Já Domingos Cabeças, representante da ‘Neto Uk’, afirma “nunca ter prestado informações erróneas, tendo apenas servido de intermediário entre a ‘Cubislabor’ e a empresa de trabalho temporário” sendo ele, aliás, que acabou “por encaminhar algumas das portuguesas para outros trabalhos em restaurantes”, declarou ao Diário de Notícias (DN).
Por fim, o gerente da agência de trabalho ‘SmartStaff’ atira a culpa para “as empresas de Portugal que enganam as pessoas e lhes prometem mundos e fundos”, explicou ao DN.
Nos últimos cinco anos, os consulados portugueses já repatriaram 1200 emigrantes, a maioria dos quais vítimas de exploração laboral na Holanda, Alemanha ou Bélgica. A falta de denúncia por parte das vítimas destas redes é outro dos problemas no combate ao fenómeno, sendo que as pessoas se devem dirigir às embaixadas ou aos consulados para denunciar estas situações que se situam na fronteira entre a burla e o tráfico de seres humanas, a novíssima forma de escravatura ocidental.
Recorde-se que “a intenção de enriquecer causando prejuízo a outrém, através de aliciamento ou promessa fraudulenta de trabalho ou exercício de uma actividade profissional no estrangeiro ou em Portugal” é crime e está devidamente legislado no Artigo 222º do Código Penal. Os responsáveis podem ser punidos “com pena de prisão até cinco anos ou com pena de multa até 600 dias”.

Nova Morada, edição 343, 14 Março 2008