30.8.07

Freedom Festival
“WOOSTOCK” ELECTRÓNICO DIVIDE ALENTEJO

A alegada overdose e morte de uma mulher israelita veio contribuir para que a pacata Freguesia de Vila Fernando tivesse os seus dias de fama internacional. As opiniões dividiram-se, num prato da balança pesou a detenção de mais de 108 pessoas com droga a tentar aceder ao Festival Freedom, no outro influiu o facto do Alentejo rural ganhar uma nova dinâmica. Especulações à parte, a população viu no evento uma oportunidade para desenvolver a economia, mas muitos dos planos sairam furados!

Com a vinda de cerca de 12 mil festivaleiros para participar na segunda edição do Festival de música electrónica promovido pela portuguesa Crystal Matrix e pela israelita Hommega Productions, este ano realizado dos dias 16 a 20 de Agosto na Barragem do Monte da Chaminé, os comerciantes vilafernandenses carregaram as arcas frigoríficas, investiram em barris de cerveja, afixaram preçários inflacionados, muniram as ruas de anúncios em papelão a indicar a localização do “mini-market”, mas a esperança de um bom negócio caiu por terra e vingou a desilusão.

A Freguesia de Vila Fernando, em Elvas, é a que detém o menor número da população residente no Concelho, pouco mais de 350 habitantes, idosos na sua maioria. Servida por transportes individuais e por uma carreira semanal providenciada pelo Município, a conjuntura económica do local “é muito débil”, declarou Teresa Franco Galego, presidente da Junta. A situação agravou-se com o encerramento do Centro Educativo, que acolhia jovens com problemas de integração social e que constituia a principal entidade empregadora local.

João Unas, proprietário do Bar Alentejano, teve algum lucro nos últimos dois meses, período em que serviu refeições ao pessoal da organização do Festival. Apesar do estilo de música não fazer o seu género, reconheceu que a sua actividade “aumentou um bocadinho” e que o Freedom “foi uma mais valia para a minha empresa”, ainda assim, “pensei ter mais afluência”. Abastecido para receber uma multidão, o parente do apresentador Rui Unas não estranhou a aparência dos excêntricos festivaleiros, de reduzidas vestes, tatuados, com piercings, cabelos compridos ou ‘rastas’, lamentou sim as operações ‘stop’ constantes levadas a cabo pela GNR que afugentaram potenciais clientes e a opção de muitos pela Cidade de Elvas, fruto de uma maior oferta comercial.

O Festival que poderia ter sido uma “oportunidade” para o negócio vilafernandense limitou-se a contribuir para “uma pequena diferença nas mercearias mas não tanto quanto poderíamos esperar”, queixou-se a autarca, “os supermercados em Elvas é que estiveram cheios de gente”.

Na Freguesia vizinha, Vila Boim, só os carros cobertos de pó e o corropio ao multibanco permitiam adivinhar que havia uma festa nos arredores. O snack-bar Miguel & Miguel contou com os clientes habituais e nem a proximidade do evento garantiu uma vibração da música electrónica que se ouvia a pouco mais de 5 quilómetros, no Monte da Chaminé.

Ao contrário da calmaria reinante nas aldeias circundantes, Elvas, ponto estratégico e porta de saída para as terras de ‘nuestros hermanos’, estava mais agitada. O parque de campismo composto, nos parques de estacionamento das grandes superfícies comerciais multiplicavam-se as viaturas excêntricas, alguns braços esticados de polegar alçado pediam boleia para o Festival... Numa cidade onde a língua portuguesa vem quase sempre acompanhada pela legenda castelhana, não houve a necessidade de alterar preços ou indicações das ementas. Marieta Nascimento, proprietária do Restaurante Machado, admitiu que nos dias de festa houve “mais movimento”, o que “é bom para a Cidade”. Não considerando a afluência de clientes anormal, “tivémos bastantes pessoas”, o que poderá ser um contributo “para o desenvolvimento turístico da Região”.

Agricultura saiu beneficiada

Vizinha da Chaminé e filha do mesmo proprietário, José Rovisco, a Herdade das Casas Velhas produz “de tudo um pouco”, melões, melancias, tomates e pimentos e chegou mesmo a abastecer a mercearia do Festival. Mauro Rodrigues, de 22 anos e gerente do montado, vendeu aos festivaleiros perto de uma centena de frutos por dia. Sem direito a borla ou a desconto no ingresso dispôs-se a pagar o bilhete para entrar no Freedom, “para dar uma volta e beber uns copos com os amigos”, explicou.

Já dentro do recinto, a organização apostou na montagem de um supermercado denominado ‘FF Shop’, dedicado não só aos artigos essenciais básicos como também aos produtos biológicos e ao Comércio Justo.

Uma das preocupações com o intuito de reduzir a pegada ecológica do evento foi a venda de produtos locais. A fruta, com excepção das bananas, foi produzida em Elvas e arredores e o público teve a possibilidade de provar gratuitamente certos artigos como os derivados da azeitona local.

Segundo Miguel Castro, especializado na área do Ambiente e a concluir uma licenciatura em Antropologia, a Crystal Matrix preocupou-se com estas questões e ainda bem, pois “os produtos esgotaram”. “É interessante ver que já há muitas pessoas a optar por um pacote de massa biológico ou de comércio justo, que custa o triplo do preço, mas que é opção por terem uma certificação de cumprir requisitos ambientais e sociais”, como a garantia de ali não existir exploração de mão de obra.

“Os estrangeiros aderem mais a estas iniciativas” opinou o ambientalista, talvez por “ficarem surpreendidos com a existência de práticas agrícolas em Elvas e a vontade de levar um pouco desta zona para casa, como recordação”. A organização também contactou a Associação Portuguesa para o Apoio ao Deficiente Mental “que nos forneceu alguns salgados que vendemos na ‘FF Shop’”.

Frigoríficos e sofás recolhidos na Barragem do Caia

Tal como em 2005, o Festival esteve para acontecer na Albufeira do Rio Caia, o que levantou forte contestação por parte da Associação Nacional de Conservação da Natureza (Quercus), Grupo de Ecologia e Desportos de Aventura (GEDA), Centro de Estudos da Avifauna Ibérica, Fundo para a Protecção dos Animais Selvagens, Liga para a Protecção da Natureza e Sociedade Portuguesa para o Estudo das Aves, um grupo de Associações ambientalistas que constituiu a Plataforma de Defesa da Albufeira do Caia. Sendo o local classificado como IBA, ‘Importante Bird Área’, e integrada na Rede Natura 2000, foi alegado que a concentração dos fãs iria prejudicar a fauna e flora do local.

“Quem conhece o movimento sabe que as pessoas têm em conta as causas sociais e ambientais”, declarou Miguel Castro, que garantiu mesmo que “a zona da Barragem do Caia ficou mais limpa depois do Festival do que antes, tivémos uma equipa que recolheu frigoríficos, sofás e imenso lixo”.

Segundo a Plataforma, a escolha da Barragem do Monte da Chaminé veio “diminuir consideravelmente os impactes para a fauna local, sem anular os benefícios económicos do evento para a região” e Nuno Sequeira, responsável pelo Núcleo Regional da Quercus em Portalegre, avançou que “não ficou nada combinado entre as Associações sobre o facto de estarmos presentes no evento, contudo, ficou a certeza de acompanharmos de perto o decorrer do mesmo e fazermos depois o nosso balanço”.

O Concelho de Elvas foi desde sempre uma pretensão da Crystal Matrix, que insistiu em levar a cabo o Festival numa área com água e em zona estratégica, até porque “mais de metade da população vem de fora, da Europa e de Israel”.

Apesar de considerar que “o Freedom é um Festival camuflado” e que “a Freguesia foi um pouco maltratada pela organização”, pois “não fomos contactados”, a presidente da Junta ficou surpreendida com a preocupação ecológica dos participantes. “A Albufeira que fica a caminho de Barbacena foi ocupada por muita gente que chegou mais cedo, eu fui lá e não vi rigorosamente nenhum papel nem lixo no chão”. Teresa Galego ficou “muito contente” e acrescentou mesmo que “se fossem as pessoas aqui da zona não teriam deixado como ficou”.

Quanto aos impactos negativos no Monte da Chaminé, a presidente esclareceu que “só o proprietário é que poderá ficar afectado, porque aquela é uma Albufeira particular”. Na opinião de Miguel Castro é “óbvio que existem impactos ambientais associados nem que sejam às deslocações, à presença das pessoas, ou ao ruído”, ainda assim “desafiamos qualquer um a visitar o local e verificar se o espaço está mais ou menos poluído do que anteriormente”.

Israel parte enlutado

O segundo dia do Freedom Festival foi manchado pelo óbito de uma israelita com 32 anos que frequentava o evento e que veio a morrer no Hospital Distrital de Portalegre. Apesar de não haver uma resposta oficial quanto à ocorrência, a mesma deverá estar relacionada com uma ‘overdose’.

Porque a recorrência a psicotrópicos são uma realidade na maioria dos festivais de música, o Freedom dispôs da tenda “check-in” onde os consumidores de estupefacientes puderam esclarecer dúvidas e testar a qualidade das ‘drogas do amor’ antes de as ingerir.

Os resistentes à onda de calor que assolou vários corpos esbranquiçados no Monte da Chaminé, tiveram ainda a possibilidade de ingressar no ‘Psybertech’, o ‘after-hours’ oficial deste Festival que se realizou nos dias 24 e 25 de Agosto na Herdade Calha do Grou, em Almeirim, uma festa que não contou com aparato mediático nem policial.

Chaminé, o Monte psicadélico

O Freedom Festival teve a capacidade de transformar a Barragem do Monte da Chaminé numa grande aldeia com cerca de 10 mil residentes em acampamento, com uma espécie de praia fluvial, zonas de restauração e artesanato e posto de bombeiros.

As áreas de ‘dance floor’ e de ‘chill-out’ serviram os propósitos da dança e do relaxe e contaram com a actuação de mais de 50 artistas de topo na cena nacional e internacional do trance psicadélico, progressivo e electrónica.

A ‘cultural area’ exibiu filmes e documentários e desenvolveu várias palestras e workshops relacionados com as danças étnicas e tribais, permacultura e ecologia.

Como muitos dos participantes, em especial os estrangeiros, trouxeram as crianças para o Festival, a organização criou uma ‘kids area’ que foi gerida pela professora de Educação Visual e Tecnológica, Liliana Montalto. Nesse espaço houve um programa de actividades a cumprir, desde workshops de música a reciclagem, pasta de papel, artes circentes, dramáticas ou jogos de mímica.

A área de ‘healing & massage’ foi constituída por seis elementos e dedicou-se essencialmente à massagem. O espaço iniciou todas as manhãs com a prática de yoga, em saudação ao Sol e na opinião de Maria João Nunes,facilitadora de massagem e reiki, os festivais devem ser encarados de forma saudável, “as pessoas vêm para dançar, trazem a boa vibração e a boa energia” e a jeito de balanço, acabam por levar “tudo” para casa, “a convivência, a boa disposição, a paz” e naturalmente, “a massagem”!

Texto: Mónica Almeida
Fotografia: Vitor Gordo