28.11.07

Ângelo Dias
O DOMADOR DE TIGRES

Senhores e senhoras, meninos e meninas, o Circo Internacional Montecarlo chegou ao Seixal!

No mês de Dezembro estrelas e ‘Pais Natais’ iluminam as principais artérias das avenidas, as montras ganham vida, a felicidade e a nostalgia fundem-se num místico sentimento de tranquilidade e compaixão… para as crianças a ternura da data passa ao lado, pois mais não é do que o seu estado de espírito habitual. Chegaram as férias, a altura das prendas e claro, a oportunidade de ver palhaços, trapezistas, malabaristas e diversos animais!

Foi na Quinta da Marialva, em Corroios, que o Jornal do Seixal se encontrou com Ângelo Dias, director do Circo Internacional Montecarlo e bastante atarefado com os últimos preparativos para os espectáculos que ali se vão realizar durante todo o mês de Dezembro, pelas 16:30h e 21:30horas. Protagonista de uma vida dedicada às artes circenses, detentor de galardões, já passou por vários trapézios antes de arriscar domar tigres. Recebe as feras ainda bebés e admite que há circos que maltratam os animais, “tal como existem pais que tratam mal os próprios filhos”.

Quais são as principais atracções do Circo Montecarlo?
Temos um menino de 5 anos que se veste de Noddy e que faz diversos números, quando saem os leões ele aparece com um cão pequenino pela trela… ele é espectacular e tem uma boa comunicação com o público, os miúdos vão adorar! Também temos dois grandes números de altura com o Homem Aranha, temos trapezistas, uma rapariga que faz fitas, tigres, cães futebolistas, palhaços…

Como é que funciona o número dos cães futebolistas?
É um derby tipo Benfica-Sporting, em que os animais jogam à bola, fazem penáltis, há um cão que sofre uma falta e se aleija, vem o maqueiro e leva-o para dentro.

Qual é a magia que move os circos no Natal?
Nós andamos todo o ano em viagem, com circos de pequenas dimensões, mas o circo é uma tradição, faz parte do Natal não só aqui como na Itália ou na Alemanha. É um espectáculo familiar, que abrange todas as idades e é por isso que nesta época tem tanta procura.

Refira-se ao seu percurso nas artes circenses.
Eu era acrobata com o meu irmão, ganhámos algumas medalhas e estivemos em muitos lugares, como em Tóquio… Cheguei a uma certa idade em que não podia fazer ginástica, trabalhei como palhaço mas optei por fazer números de jaula.

Não sentiu medo quando começou a trabalhar com tigres?
Quando começamos temos sempre medo, mas com a rotina esse medo desaparece.

Como é que se doma uma fera de tal calibre?
Há animais bons e maus, uns que conseguimos domar e outros que não. Neste momento temos 5 tigres mas começámos com 8 e só ficámos com os melhores. 4 desses tigres são agressivos, o outro é dócil. Tudo isso depende do carácter, como uma família que tem vários filhos mas todos eles são diferentes!

O que é que acontece aos animais mais agressivos que não conseguem domar?
Eles vêm para próximo de nós pequeninos e em 2 ou 3 meses de estágio conseguimos perceber se têm ou não instinto agressivo. Muitas vezes eles chegam muito traumatizados e nervosos, sabemos que não os podemos fazer esquecer da infância. Normalmente juntamos os cães e os tigres desde pequeninos para confirmar se eles se adaptam entre si, se têm futuro connosco. Se eles tentam morder no cão não vale a pena, pois em maiores ainda seriam piores. Nessas situações entregamo-los ao Jardim Zoológico.

Já algum tigre lhe deu um mimo que o magoasse?
Sim, já fui mordido na mão mas nada de grave... Eles fazem-no a brincar, nunca em ataque. Se alguma vez me atacarem só o farão uma vez, porque eu não existo mais…

Estamos numa época em que começa a haver uma consciência global quanto à defesa dos animais e os seus direitos são uma preocupação constante. Qual é a sua posição em relação à defesa dos animais nos circos?
Há circos que tratam bem os animais e há circos que os tratam mal, tal como existem pais que tratam bem os filhos mas também há os que os tratam mal. Isto é igual. Existem caçadores que estimam os seus cães de caça e outros largam-nos à beira da estrada. As pessoas têm de ter consciência e analisar se os circos têm ou não os animais bem tratados, não podem generalizar. Há outros actos e desportos em que os animais saem da pista maltratados ou mortos. No nosso caso eles são bem tratados, vão para a pista e saem. Há muitas pessoas que não deviam ter animais, tal como há muitas outras que não deviam ter filhos.

Os circos mais emblemáticos costumam ser propriedade de uma família e passam por diversas gerações. Qual é o percurso específico do Montecarlo?
As famílias mais antigas do país estão radicadas em Lisboa e já estão no circo há 3 ou 4 gerações. Eu trabalhei toda a vida no estrangeiro, tenho o circo há 6, 7 anos, em Portugal. Em termos de nome vai ser impossível, actualmente, competir com essas gerações, mas isso não significa que o espectáculo não seja competitivo.

Que fascínio é esse leva as pessoas a dedicarem a vida ao circo?
Dou-lhe um exemplo, os meus filhos andam na escola e quando saem vêm para o circo, todo o dia. Eles gostam desta vida, temos uma boa vida, uma boa quinta, uma boa casa, uma vida um bocado liberal. Nós sofremos, como toda a gente e para fazermos dinheiro temos de trabalhar…

As artes circenses tornaram-se numa moda e começam mesmo a surgir escolas direccionadas para essa área em Portugal. Que conselhos daria a jovens interessados em fazer do circo modo de vida?
Diga-me o nome de uma escola de circo existente em Portugal!

Temos o Chapitô, por exemplo…
Não, isso é uma fachada! Quem quer aprender artes circenses tem de ir estagiar para um circo! O Chapitô é uma fachada para as pessoas fumarem e fazerem coisas que não devem! Para já foi fundado por uma senhora que nunca esteve num circo! Como é que uma pessoa que nunca esteve no circo pode dar aulas de uma coisa da qual não tem conhecimento?

E se lhe aparecesse aqui um adolescente a pedir para integrar a equipa, dava-lhe o estágio?
Depende daquilo que ele queira fazer… há pessoas que querem fazer ginástica e têm de vir preparados com capacidade física… o circo tem muitas coisas para fazer, precisamos de muitos colaboradores, de soldadores, de manobradores de máquinas…
Em Itália existem escolas de circo a sério, onde os artistas vão aprender novos números, teatro e depois regressam para casa dos pais. Agora estes artistas daqui que andam na rua a passear, fazem 3 bolinhas e pensam que são do circo, isso não! Isso é para rir!

A maioria dos circos, a nível internacional, são apoiados pelo Estado. No vosso caso, de que financiamentos dispõem?
Do público apenas… em Portugal há apoios para várias coisas, mas não para o circo.

Ainda assim, têm progamada uma iniciativa para apoiar uma Instituição de Solidariedade para crianças, que são os vossos melhores clientes. Que iniciativa é essa?
Sim, as crianças são os nossos melhores clientes. Costuma-se dizer que uma mão lava a outra, por isso vamos tentar apoiá-los. 50 cêntimos do bilhete (que custa 15 euros) vão reverter a favor da Instituição Janela Aberta.

Para concluir, que medidas é que os circos têm vindo a implementar para fazer frente a outras actividades culturais?
No Natal posso dizer que não temos concorrência, as restantes actividades ficam todas arrasadas. Em Lisboa mais de 100 mil pessoas vão ao circo e nós contamos com 40 mil. Não há teatro ou cinema que consiga esse número de espectadores. Durante o resto do ano é que já há concertos e muitas diversões alternativas…

Jornal do Seixal, edição nº. 28, 23 de Novembro de 2007