18.4.07

Lagoa de Albufeira
“POLUÍDA, FECHADA E MALTRATADA”

Em vésperas de Dias Santos, os pescadores da Lagoa de Albufeira têm por hábito andar de coração mais apertado. Não por fanatismo religioso ou por tendência mais profana mas porque sabem que em breve tudo ou nada poderá restar do seu trabalho, um ofício que há já vários anos depende da abertura da Lagoa ao mar e da poluição que ali se acumula enquanto não chega a àgua salgada, para a salvar!

Foi em vésperas da Sexta-feira Santa, dia há muitos anos definido para se realizar a abertura da Lagoa de Albufeira ao mar, que o Nova Morada ali se deslocou para falar com os pescadores que sobrevivem à conta dos viveiros que estão submersos no local. Ti’ João Ribeiro e Inácio foram duas das figuras que falaram de sua justiça, partilhando a opinião que, garantem, é a mesma dos cerca de 30 pescadores que ainda vivem daquelas águas: a Lagoa está poluída e tinha de ter sido aberta na altura do Natal.

Como vem acontecendo desde os primórdios, a Laguna – que é o nome correcto a aplicar – fecha-se por si própria, por influência do vento que empurra a areia e a coloca entre si e o mar, um areal que não permite a entrada e a saída dos peixes e de outros corpos dos viveiros que ali desovam. É por isso que há cerca de 500 anos já a Ordem de Santiago dava recomendações para que se procedesse à sua abertura. Findadas as Ordens e dependente das diligências do Instituto de Conservação da Natureza – ICN, e da Câmara Municipal, a abertura da Lagoa sujeita-se agora à boa vontade dos seus gestores, sendo que em 2006 o ICN cruzou os braços e foi a Autarquia a ter de avançar com a obra.

Este ano, aguardam-se as marés para decidir a data para avançar, 16 ou 20 de Abril, depende. A ideia é que ao proceder à empreitada a maré esteja cheia o suficiente para invadir a Laguna de imediato e a limpar com maior rapidez.

Pescadores aflitos do Natal até à Páscoa

O Ti’ Inácio não se alheia da problemática e sabe que “este ano a Lagoa fechou no dia de Natal”. Depois de encerrada, chegou o momento de fazer contas à vida e torcer para que as diversas espécies ali existentes sobrevivessem até à reabertura, agendada para a altura não da vinda dos Reis Magos, mas da Ressurreição.

A preocupação é simples, avançou, “se pusermos um balde de água ao sol ele aquece e isso é o que acontece com a nossa Lagoa no Verão”. João Ribeiro explicou que a Albufeira “está degrada devido aos químicos provenientes das “lagoas” da Carrasqueira”, pauis esses que correspondem aos antigos tanques não acimentados utilizados pelas Estações de Tratamento de Águas Residuais.

A abertura dos tanques mata o marisco todo e é de realçar que ali multiplicam-se o mexilhão, o berbigão e amêijoa. “Tenho aqui viveiros há 32 anos e já por várias vezes morreu o mexilhão de toda a gente! Fartamo-nos de trabalhar e vai-se tudo de um momento para o outro”, contestou o senhor Inácio, explicando a tarefa de buscar os mexilhões nas rochas e trazê-los para a Lagoa, “eles adaptam-se, mas quando vem a poluição morre tudo”, lamentou.

Para si, a solução seria voltar a abrir a Lagoa em ambos os equinócios, de Inverno e de Verão, como tem vindo a ser feito em Óbidos. “Se estivesse aberta, as correntes de água dissipavam os detergentes que aqui ficam aglomerados” e os desastres provocados pela poluição não seriam irreversíveis, até porque “o máximo que pode estar fechada são uns trinta dias”, acrescentou.

O Ti’ João Ribeiro não é novo nas andanças, habita no local desde que se tomou por gente sendo ali que vive há 77 anos. O antigo pescador reconhece que antes do 25 de Abril a Lagoa só era aberta na Sexta-feira Santa e que “aguentava duas, três vezes, um ano e até mais”, chegando a estar dois anos fechada, situação que “não representava problema nenhum, porque nessa altura a Lagoa não tinha o que lá tem dentro agora”, esclareceu. Nos tempos que correm, “a água tem qualidade no Verão, mas ao fechar deixa de ser limpa pelas marés e transforma-se num lago poluído, numa autêntica fossa”!

Lagoa aberta com enxadas e bois

Ambos os pescadores recordam as diversas técnicas utilizadas no processo da abertura da Lagoa, antes de surgirem as máquinas.

João Ribeiro, mais antigo, conheceu truques imensos mas foi o do arrastão, “que aconteceu até aos meus 30 anos”, que mais o marcou.

“Já assisti a muitas aberturas da Lagoa e feitas de diversas maneiras. As primeiras eram com bois, estavam alguns homens de arrastão à retaguarda, com 4 bois a puxar e atrás outros homens com enxadas e pás para fazerem valas”.

Ambos reconhecem a vantagem da maquinaria, “enquanto os bois atiravam a areia para os lados, as máquinas deitam-na fora”, explicou Inácio e também porque agora é aberta com maior rapidez. Ainda assim, “deixa o terreno moído”, contestou o Ti’ Ribeiro, pois antigamente “a abertura manual abria a Lagoa apenas num sítio” mas para descompensar, a técnica actual “amolece a terra e quando vêm as marés a areia está mexida e mais depressa a traz para dentro provocando o desassoreamento e um grande sofrimento” na laguna.

Cheio de memórias, o pescador contesta ainda que “puxaram a abertura para um sítio que não é o ideal, pois deveria ser mais a Norte, onde está a duna”, como era feito há cerca de 30 anos, altura em que a força das marés provocou a morte por afogamento a duas raparigas, irmãs, dos Brejos de Azeitão.

A duna foi obra de um arquitecto, “mas a areia não foi calcada e por isso tem a tendência de ser transportada pelo vento”, e “enquanto na Costa da Caparica têm areia a menos nós temos a mais... podíamos levar para lá toneladas, milhões de toneladas”, sugeriu o pescador.

No que diz respeito ao local de abertura actual, o senhor Inácio não contestou, mas o homem mais velho adiantou que “é urgente combater o desassoreamento, que pode ser feito através da sucção”, uma técnica que utilizaram na Lagoa há cerca de 8 anos, aquando a construção da duna. A verdade é que se os governantes “estivessem interessados em perceber alguma coisa da Lagoa”, deviam pedir a opinião dos mais ancestrais, mas não será esse o hábito, “os políticos falam mal uns dos outros mas depois vão comer marisco, todos juntos”!

É com sinais de melancólica anuência que estes homens vêm a antiga “Lagoa Azul” apodrecer no Inverno... ali podia haver marisco para todos, fossem ou não pescadores, afinal “aqui há de tudo, até cadelinhas há aí dentro!”, mas chegou o ponto em que “a Lagoa não dá nada... para mim, que tenho 74 anos, pouco mais importa, mas continuando assim isto vai acabar para os jovens”, lamentou o Ti’ Inácio.

Nova Morada, Edição 322, 13 Abril 2007