8.5.07

Rui Veloso lamenta
“CONSTRUIU-SE DEMAIS EM SESIMBRA!”

Sesimbra é uma Vila que há já algumas décadas faz parte das recordações de infância de Rui Veloso. No seu retorno ao coração do piscatório Concelho, para ali actuar no lotado cine-teatro João Mota, no passado dia 28 de Abril, o “pai do rock” português não gostou do que viu. No entender do músico, “basta ver fotografias de Sesimbra há 50 anos” para compreender que “havia aqui um potencial extraordinário que obviamente foi estragado...”.

Depois do concerto acústico e lotado com que Rui Veloso brindou o público sesimbrense, que em euforia o acolheu e aplaudiu de pé no momento da despedida e entre coros eufóricos revisitou “A Paixão”, de seu famosíssimo refrão “tu eras aquela que eu mais queria”, foi a vez do Nova Morada entrevistar o artista no seu camarim.
Visivelmente bem disposto e acompanhado pela equipa, entre golos de um vinho tinto e confusões, como aquela em que a jornalista lhe lembrou um amigo defunto, assim foi falando dos seus projectos e reparos sobre o Concelho e o País. A seu ver, “tudo isto está meio baralhado”...

Nova Morada - O Rui é considerado o “pai do rock português”. Orgulha-se dessa nomeação?
Rui Veloso -
Não sei se me orgulho... Pronto, orgulho-me... Tenho que levar com isso há anos, mas não sei! Sou uma pessoa que sempre teve mestres e sou um eterno discípulo e pai dos meus filhos!

Nova Morada - Quem são os seus mestres?
Rui Veloso -
São muitos, aqueles com quem tenho vindo a aprender. É o caso do Tom Jobim e do Zeca Afonso, mas admiro tantos compositores que se torna complicado enumerá-los...

Nova Morada - Sabemos que também é um fã dos blues. Tenta conciliar vários estilos nas suas músicas?
Rui Veloso -
Os meus discos são sempre variados, mas a forma como toco guitarra tem sempre os blues incorporados. Sou influenciado por músicas de toda a parte do mundo, americana, sul-americana, árabe, espanhola, paquistanesa, francesa... alemã ouço pouco... mas até gosto de música da Mauritânia, por exemplo...

Nova Morada - No álbum “A Espuma das Canções” diz “ai de quem nunca guardou um pouco da sua alma numa folha secreta”. Para além do Carlos Tê, o Rui também compõe as suas próprias letras?
Rui Veloso –
Não, as letras são do Carlos Tê que me acompanha há 27 anos e que é muito melhor do que eu...

Nova Morada - Quais foram o melhor e pior momentos da sua carreira?
Rui Veloso –
Os piores são sempre quando um gajo não tem nem dinheiro nem esperança e sente que vai ser para sempre um enorme teso... isso é mau! De qualquer forma trabalhamos... O melhor da minha vida são os meus filhos...

Nova Morada – Mas pode avançar uma ocasião especial enquanto músico?
Rui Veloso –
Um ponto alto de realização pessoal foi tocar com o B.B. King, com certeza...

Nova Morada - Já tinha estado em Sesimbra?
Rui Veloso –
Eu?!?!? Claro que sim, ainda hoje o disse! Quando era miúdo vinha aqui para o Hotel de Sesimbra, ainda isto era outro planeta e não tinha nada a ver com o que é hoje!
Vim até aqui uma ou duas vezes almoçar com o meu tio e depois seguíamos para Lisboa... Foi há muitos, muitos anos atrás...

Nova Morada - Tem alguma ideia formada quanto a este Concelho, de uma forma geral?
Rui Veloso –
Acho que em Sesimbra, como em outros concelhos do país, construiu-se demais! Deixamos construir sem planeamento e desfiar uma zona que é bonita mas que com a construção civil desordenada e sem programação fica mais feia... Este fenómeno tem vindo a acontecer em Sesimbra ao longo dos anos, as culpas são de muita gente e os exemplos estão no país todo, do Algarve até ao Norte...

Nova Morada – Isso significa que veio encontrar uma Sesimbra mais feia do aquela que guardava nas suas memórias de criança?
Rui Veloso –
Sim, basta ver fotografias de Sesimbra há 50 anos! Havia aqui um potencial extraordinário que obviamente foi estragado... talvez se possa corrigir alguma coisa, mas o furor do betão e dos empreiteiros estragou muito no nosso país!

Nova Morada – E em relação às praias? Falta-lhes algum Pessegueiro?
Rui Veloso –
Falta é um bocadinho de espaço que foi ocupado pelo betão, que não devia nem podia ser tanto... não sei como é que isso se vai resolver...

Nova Morada – Para concluir, que novos projectos tem na manga? Podemos contar com um novo disco para breve?
Rui Veloso –
Não sei... Apesar do público, Portugal é um país que não incentiva a sua própria música, passa pouco na rádio, não liga, canta muito em inglês e nós somos latinos e mediterrânicos... apesar da herança árabe canta-se muito em inglês e nós não somos anglo-saxónicos! Tudo isto está meio baralhado, por isso não sei! Comecei há 27 anos a cantar em português e insisto em mantê-lo, não vou agora começar a cantar em inglês!

Nova Morada, Edição 324, 04 Maio 2007