23.8.07


QUINTA DO CONDE
"TEM MUITO CAMPO PARA SONHAR"

O engenheiro Eduardo Pereira, ex-ministro da Habitação, Urbanismo e Construção do I Governo depois da Revolução de Abril e das Obras Públicas em 1983, foi convidado pelo Condense a dar o seu parecer quanto ao desenvolvimento do Concelho de Sesimbra, de onde é natural e onde ainda reside.
Distinguido com a Ordem de Mérito pelo presidente da República, uma condecoração que se “destina a agraciar pessoas que tenham contribuído para o desenvolvimento do País”, foi um dos primeiros responsáveis pelas verbas que entraram na Quinta do Conde na década de 80 e que a ajudaram a crescer com algumas melhorias. Na sua opinião, o famoso nó na Estrada Nacional 10 é o grande cancro da Vila, um mal que há muito foi prometido resolver e que “não há maneira de se iniciar”.

No passado dia 10 de Junho foi condecorado, pelo presidente da República, com a Ordem do Mérito. Qual foi o sabor desta distinção?
Foi agradável, não digo que já tivesse perdido as esperanças porque não tinha esperanças quanto a isso, mas não estava no meu horizonte vir a ser condecorado no final da trajectória. O senhor presidente da República entendeu e para mim foi uma honra, uma condecoração importante, porque a Ordem do Mérito destina-se a agraciar pessoas que tenham contribuído para o desenvolvimento do País.

Esta cerimónia decorreu num momento um tanto conturbado devido ao facto de Mário Lino se ter referido à Margem Sul como um deserto. Tem algum comentário a fazer quanto a essa declaração?
Se há pessoa que conhece o Distrito de Setúbal é o Mário Lino, que está ligado a determinado partido que tem uma importância muito grande nesta área. Não sei onde é que ele viu o deserto, pois na verdade este é um dos distritos mais desenvolvidos do País, tal como o Porto, Lisboa ou Braga. Não há aqui deserto nenhum, basta andar a passear de automóvel e verifica-se que quer a frente Atlântica, os Três Castelos, a Lagoa de Albufeira o Estuário do Sado, a Arrábida, a Mata de Sesimbra, eu sei lá.... toda esta zona é uma zona linda e não tem o desenvolvimento de outros países mais desenvolvidos, mas dentro do nosso nível social é um dos distritos mais importantes do País.

É real a necessidade de construir um aeroporto na Margem Sul?
Na minha opinião, o aeroporto e o TGV têm a mesma importância... eu considero que precisamos de ter uma unidade aeroportuária importante, mas é preciso ver se estamos em condições para sonhar, e eu penso que não estamos... O Estado gastou e continua a gastar centenas de milhões de euros na remodelação e melhoria das condições do aeroporto de Lisboa e se já pensava fazer um aeroporto na OTA procedeu mal quando se predispôs a fazer um gasto destes, mas se o fez temos de utilizar esses gastos. Eu estou com aqueles que entendem que a melhor solução do ponto de vista económico é em ser feita uma passagem gradual de aeroporto, mas a Portela ainda permite aguentar a situação durante quinze a vinte anos e é possível fazer uma transição lenta do aeroporto para Alcochete. Começamos a desenvolver as bases e daqui a vinte anos, quando a Portela estiver a mostrar que já não tem cpacidades, Alcochete já estaria preparado. Isto deveria ser feito gradualmente e de forma a não dispender muito dinheiro, aliás, Alcochete é muito mais barato do que a OTA e não tem tantos problemas técnicos de construção. Eu acho que o projecto de Alcochete deve ser começado agora.

Essa construção iria implicar uma reviravolta no Plano das Acessibilidades...
Ainda não conhecemos e temos de aguardar a opção final. De qualquer maneira, se o Ministro Mário Lino considera a Margem Sul um deserto, está na altura de começar a fazer as coisas que temos vindo a reclamar há muito tempo. Não temos hospitais, que os façam! Não temos bons acessos, que os resolvam! Penso que está na altura de entendermos que o aeroporto pode ser uma realidade e de nos começarmos a empenhar para que sim, seja aqui na Margem Sul...

“Penso que há campo para sonhar e para a Quinta do Conde aspirar vir a ser Concelho”

Sabemos que enquanto Ministro financiou a Quinta do Conde na década de 80. Faça um retrato do que foi feito nessa altura...
A Quinta do Conde nasceu do lançamento de venda de terrenos do Xavier de Lima. No início venderam-se lotes a imensos emigrantes espalhados pelo Mundo e em especial pela Europa e surgiram alguns problemas que não se atribuiram directamente à empresa, podiam ser facilidades dos agentes para mostrar trabalho e vender os terrenos. Na primeira fase apareceram várias reclamações...
A seguir, o problema que se punha era o da capacidade da Câmara de Sesimbra em fazer a urbanização da Quinta do Conde, porque as pessoas instalaram-se um pouco no meio do caos, sem uma planificação... a Câmara foi permitindo que se fizessem as construções, mas o projecto de desenvolvimento através de um Plano de Urbanização era inexistente.
Apareceu um novo problema quando foi necessário fazer trocas, cortes e adequar e respeitar os lotes que existiam de forma a não dificultarem o que hoje é a urnanização da Quinta do Conde.
Eu tive muitos contactos com uma comissão de moradores Quinta do Conde que aproveitava todos os momentos que podia para se informar e que chegou mesmo a fazer pequenas manifestações na Câmara. Na verdade, o Município também não tinha meios suficientes para se meter numa acção adequada como era desejável.
Foi nessa altura que o Ministério da Habitação ajudou bastante e procurou um conjunto de facilidades para que, embora lentamente, se lançassem as bases do que hoje existe. Não havia, na altura, uma rua asfaltada, não havia esgoto, não havia água... os moradores estão de parabéns por tudo o que conseguiram fazer e neste momento a Quinta do Conde é o aglomerado urbano mais importante do Concelho de Sesimbra. Penso que há campo para sonhar e para aspirar vir a ser Concelho...

Sesimbra iria aceitar a ascensão da Quinta do Conde a Concelho?
As dificuldades não devem ser postas por Sesimbra nem pelos sesimbrenses. Penso que existem normas para não se criarem mais concelhos na Área Metropolitana de Lisboa enquanto não parecer adequado. A dificuldade reside aí, mas só se pode pensar nisso mais a sério quando o desenvolvimento da Quinta do Conde for tal que se prove claramente que os meios que Sesimbra lhe pode atribuir já não chegam e que está na altura de ter os próprios meios.

O que pensa do Plano Urbanístico aprovado para a Quinta do Conde?
Não me debrucei sobre o Plano com o pormenor que me permita opinar sobre ele, mas o interesse dos Planos é que sejam evolutivos e para ser aplicado tem de ter existido um debate entre a Câmara e os moradores da Quinta do Conde, de modo a que tanto os moradores como a Junta de Freguesia vejam os seus interesses correspondidos.

Consegue identificar o maior erro Urbanístico praticado nesta Vila?
Posso dizer que noto alguns problemas que têm de ser resolvidos e um deles é o nó da Quinta do Conde. Esse nó é absolutamente fundamental, quer para quem passa na Estrada Nacional 10 e tem ali uma grande paragem, quer para os moradores que querem entrar e sair da Quinta do Conde. Há ali um cancro que há muito está prometido entrar em pleno e que ao longo dos anos vem sendo adiado e não há meneira de se iniciar...

“Penso que estamos parados, à espera de um milagre que possa vir a salvar a Mata de Sesimbra”

A sua casa tem uma vista fabulosa, em especial sobre a Mata de Sesimbra. Qual é a sua posição quanto ao projecto para esta Mata?
Eu apresentei uma queixa na Procuradoria Geral da República. Tem havido, em Sesimbra, um número considerável de pessoas que têm estado, desde o início, contra o Plano para a Mata. Mas há duas questões, há o planeamento do projecto para a Mata e um outro problema anterior.
É que chegou a estar projectado um conjunto de edifícios para a Aldeia do Meco, que teve uma aprovação pela Câmara há vários anos e em determinado momento entendeu-se que havia um alvará em jogo mas que não podia ser mantido. Não fazia sentido que se autorizasse aquela contrução que estava numa zona protegida e ia estragar todo o ambiente do local, pois iam-se fazer ali uns monstros e as Câmaras decidiram que isso não podia andar, até porque havia uma parcela de terreno que não tinha sido comprado e que portanto impedia a construção.
A seguir, o senhor Ministro Isaltino Morais conseguiu fazer um acordo entre a Pelicano e a CMS para passar os direitos que os alemães tinham para construir no Meco para a Mata. É contra isso, sobretudo, que eu faço uma queixa, dizendo que não faz sentido, dizendo que o acordo que envolvia a Câmara de Sesimbra e o Estado português tinha elementos inaceitáveis. A Procuradoria ainda não se pronunciou sobre isso mas também ainda não arquivou o processo.
A Mata de Sesimbra é um pulmão para o Concelho de Sesimbra e também para Lisboa e o que era importante fazer era torná-la uma Mata mais viva e mais sã do que a que é hoje.
Dizem que este é um empreendimento turístico, mas é um empreendimento onde se conta alojar 30 mil pessoas e o actual plano de Sesimbra não permite a criação deste pólo de habitação, mas sim um desenvolvimento turístico disperso, com cabeça, tronco e membros. O que interessa ali é começar, depois constroem parecido ao que estava previsto e começam a vender a famílias de Lisboa que queiram ter uma segunda habitação, a famílias de estrangeiros que venham por aqui uns meses... Isso não faz sentido!
Começou por haver um protesto ténue, mas depois da explicação e da discussão pública, a população de Sesimbra está agora contra este Plano.
Penso que neste momento estamos parados e à espera de um milagre que possa vir a salvar o projecto.

Quais são as prioridades para que o Concelho evolua ordenadamente?
É necessário fazer duas coisas. Em primeiro lugar, está no mometno de se fazer uma revisão do Plano Director Municipal, havendo, no entanto, algumas linhas que se têm de fixar: Sesimbra não é um Concelho Industrial, Sesimbra não é um Concelho Agrícola... Neste momento, Sesimbra apenas tem duas saídas, a Pesca e o Turismo. O que é importante e desejável é unir estes dois pontos, pois para se visitar Sesimbra é necessário encontrar por aqui o que não existe noutros locais, o sol, o mar, a temperatura, a qualidade das àguas... em segundo é necessário poder usufruir da belíssima cozinha, sobretudo dos peixes que podemos oferecer.
Tenho amigos que dantes vinham até Sessimbra, ficavam para almoçar e depois iam embora. Agora só estacionar o carro demora mais tempo do que almoçar e a partir da terceira tentativa vão almoçar a outro lado.
A Lagoa de Albufeira não pode manter-se estagnada, nem o Cabo Espichel...
A Autarquia sesimbrense o que faz é procurar licenciar, licenciar, licenciar o betão para ir buscar ao betão o dinheiro que necessita para o Concelho. É preciso mudar as mentalidades da Câmara e da Assembleia Municipais para que as coisas venham a ser feitas de outra maneira. Neste momento, Sesimbra é o Concelho com menos desenvolvimento de toda a Península de Setúbal!

O Condense, edição nº 28, Julho 2007