30.4.07

Rostos Porta-a-Porta
NO COMBATE À POBREZA ENVERGONHADA

Quando se deparar com um agente da PSP e com uma assistente social à porta da sua casa nada tema, pode estar prestes a ser abordado pelos técnicos do “Rostos Porta-a-Porta”. O projecto foi implementado pela Junta de Freguesia de Campolide e tem em vista identificar idosos em caso de risco para os apoiar de imediato. Muitos podem não compreender o impacto desta campanha, mas decerto mudariam de opinião ao descobrir que há idosos que vivem num luxo aparente, mas numa realidade de miséria calada e envergonhada.

O projecto “Rostos Porta-a-Porta” é composto por três vertentes distintas. A primeira consiste em fazer um levantamento exaustivo dos idosos existentes na Freguesia de Campolide, das suas necessidades e de toda a informação que se possa obter a seu respeito, como as doenças de que sofrem, os medicamentos que tomam e qual é o parente mais próximo para contactar em caso de urgência. Muitos dos idosos não sabem explicar ao médico quais os medicamentos que ingerem habitualmente e este tem dificuldade em administrar um novo, pois pode ser incompatível com os restantes que o doente já esteja a tomar. Muitos deles “tomam vários comprimidos mas não fazem a mínima ideia de quais são, apenas reconhecem o amarelo ou o azul” justificou Fausto dos Santos, presidente da Junta ao Jornal do Bairro.
Para evitar tais complicações, as assistentes sociais criaram uma base de dados com o historial clínico de cada idoso.
“Assim que encontramos uma situação urgente contactamos de imediato com a Santa Casa da Misericórdia e a Assistência Social”, explicou Fausto dos Santos.
A segunda vertente consiste num tratamento solidário como “visitas para um chazinho”. Este acompanhamento é levado a cabo por voluntários reformados mas com a total capacidade e mobilidade para se dedicarem à função.
O objectivo final é ajudar idosos na resposta às suas necessidades reais, como a deslocação ao médico.
Para isso, foi criado um protocolo com os Bombeiros Voluntários, “para que qualquer freguês que necessite de ser transportado para o Hospital tenha a possibilidade de o fazer gratuitamente” avançou o presidente.

“Uma senhora tinha apenas uma panela de água com um caldo “knorr” que lhe dava para a semana toda”

Com o envelhecimento da população, Fausto dos Santos quis saber a quantidade numérica de pessoas em risco na sua Freguesia. “Hoje em dia, que vivemos na base das percentagens, se fizer um levantamento das pessoas que passam fome em Lisboa e me enganar em 1%, são 5 mil pessoas” avançou, salientando que “não quero estar nesse 1% de engano”.
E porque a juntar às limitações dos idosos se uniram burlões e mal intencionados que abordam e enganam as pessoas nas próprias casas, num primeiro contacto a assistente social faz-se acompanhar por um agente fardado da PSP da Esquadra 21, “com o apoio tremendo do agente Costa”.
Até à data, já foram referenciados mais de 300 casos de risco e alguns necessitavam de ajuda imediata.
“Conheci o caso de uma senhora que tinha apenas uma panela de água com um caldo “knorr” que lhe dava para a semana toda” relatou o presidente da Junta. “O nosso problema não é com as pessoas que vivem em habitações degradadas, mas na pobreza envergonhada, pessoas que vivem num apartamento simpático mas que graças à sua reduzida reforma vivem em condições precárias”. Nessas situações, é accionado um contacto com o Banco Alimentar e com outras Instituições.
Associado ao programa “Rostos Porta-a-Porta” a Junta de Campolide tem vindo a financiar consultas de Clínica Geral totalmente gratuitas para os idosos. “Também fornecemos apoio psicológico a quem dele necessitar. Ajudamos estes idosos a fazer o irs, a executar pequenas obras como trocar uma lâmpada, uma limpeza leve, uma porta que não funciona”…
Com o passar dos tempos foram ainda identificadas pessoas que só compram medicamentos de 2 em 2 meses “e refiro-me a medicamentos para o coração e para a tensão arterial em que eles podem morrer”, nestas situações “nós pagamos e entregamo-los às pessoas, obviamente não damos benurons’, mas fornecem os fármacos às pessoas que deles estão dependentes.

“Temos o caso de uma senhora quadraplégica, as portas são tão estreitas que a cadeira de rodas não passa e ela arrasta-se pela casa toda”

Para já, a equipa é constituída por dois técnicos a tempo inteiro e um a part-time e com o evoluir da campanha a Junta tem a ambição de contratar um novo assistente social também a tempo inteiro.
Para além da senhora que se alimentava com um “caldo Knorr” existem muitos outros casos de pura decadência, “temos o caso de uma senhora que é quadraplégica e mora num 4º andar sem elevador, as portas são tão estreitas que a cadeira de rodas não passa e ela arrasta-se pela casa toda. Contactámos o senhorio que não autorizou a obra… e nós íamos fazer a obra sem custos nenhuns para o senhorio. Queríamos apenas aumentar a largura das portas para ali passar a cadeira de rodas porque essa simples acção poderia melhorar a sua qualidade de vida”. Proposta essa que o senhorio não aceitou, talvez porque “a senhora deve estar a pagar cerca de 7 a 8 euros por mês e se ela se for embora ele consegue alugar o apartamento por 400 a 600 euros, é uma questão economicista, nada mais”, lamentou Fausto dos Santos.
Neste género de contrariedades, a Junta não pode sequer intervir, pois se a obra for executada sem o consentimento do senhorio, ele tem razão legal para pôr a pessoa na rua, coisa que poderá causar mais dificuldades do que as que o idoso já tem. No caso da senhora quadraplégica, “podíamos aumentar as 3 portas, mas púnhamos a idosa numa situação precária e por isso estamos à espera de convencer o senhorio” explicou.
Ainda há muitas portas a bater e atrás de muitas delas existem ainda idosos a viver na miséria, “estamos a ano e meio de levantamento, mas o que já conseguimos fazer foi muito importante, muitas vezes a Santa Casa da Misericórdia e a Assistência Social não se movem com a rapidez necessária, são máquinas muito grandes, muito pesadas… nós aqui na Junta somos uma estrutura mais pequena, movemo-nos com maior facilidade e rapidez, pois temos a capacidade de ir ao Banco Alimentar e ajudar as pessoas” concluiu o presidente.
A ideia é que com o passar dos tempos os idosos abordados avancem outras situações complexas para que os técnicos ajam de imediato, mas se conhece uma situação idêntica no Bairro de Campolide denuncie-a de imediato para o telefone 213 884 607. Estará apenas a ajudar!

Jornal do Bairro, Edição 7, 28 Abril 2007