14.5.07

IDOSA VIVE ÀS CEGAS NA PRÓPRIA CASA

Irene Agatão tem quase 90 anos e é senhora de uma perfeita lucidez, ao contrário da visão, que lhe foi roubada por um deslocamento da retina na década de 80. A invisual tem sérias dificuldades em subir os 5 degraus do patamar, que não dispõem de corrimão e teme uma nova queda, como aquela que lhe valeu sequelas que vai ter de carregar para toda a vida. Conforme o senhorio, o apoio deverá ser colocado assim que o mestre-de-obras estiver disponível, mas o obreiro já explicou que ainda não teve autorização. Resta a Irene esperar por melhores dias, enquanto o corrimão que já comprou permanece na despensa, à espera de uma nova decisão.

O número 49 da Rua Tenente Durão, em Campo de Ourique, corresponde a uma das poucas casas que resistiram à construção de vários pisos, sendo apenas constituída por rés-do-chão e primeiro andar. Irene Agatão vive no último e não reclama as escadas que tem de subir para lá chegar, mas a ausência de um suporte no hall de entrada do edifício. O lance de cinco degraus de pedra não tem corrimão - que a família inclusive já comprou – e desde a década de 80 que a invisual tem de avançar por entre apalpadelas e a esperança de não cair, como lhe aconteceu há 4 anos atrás.

O acidente aconteceu no Inverno, “subi o primeiro degrau e escorreguei”, explicou ao Jornal do Bairro. Ao chegar ao terceiro degrau “dei um trambolhão para a frente e consegui-me levantar, mas pensei já estar no outro patamar e caí de costas” lamentou, “fiquei toda amachucada”!

Irene seguiu então para a casa de um familiar em Beja, onde esteve acamada durante 4 meses por não poder andar.

Os 84 anos que tinha então tornaram a questão mais delicada e a idosa foi observada pelos médicos durante duas a três horas. “Só a movimentar as pernas e pôr-me em pé já tinha dificuldades”, declarou.

“As costelas ficaram todas amachucadas e fiquei com muitas dificuldades em andar” lamentou, enquanto caminhava pela rua, entregue à vista e ao braço da jornalista.

Baixa renda na origem da discórdia

Antes da queda, a invisual já tinha o aval positivo do senhorio para proceder à obra e tinha mesmo a intenção de comprar a casa, mas o proprietário faleceu e o edifício passou para o filho e respectivas primas que restauraram o rés-do-chão “que inclusive me abriu brechas no primeiro andar”. Quando Irene regressou a casa pediu ao doutor Nuno Nazaré, novo proprietário, para fazer a obra, ao que ele terá perguntado “para aquilo que a senhora paga, acha que vale a pena”?

Irene Agatão reconhece que não está a garantir quaisquer lucros ao senhorio, até porque “o rés-do-chão foi alugado por cerca de 800 euros, quando eu pago 20”, mas na altura os 20 euros eram metade de um ordenado e por isso Irene afirmou que “já paguei a casa na totalidade e tenho vindo a conservá-la” afirmou, avançando que até já dotou a residência um novo telhado.

Há dois anos, Irene Agatão dirigiu-se à Junta de Freguesia de Santo Condestável, “o presidente foi muito simpático e enviou uma carta com aviso de recepção que foi devolvido e assinado pelo senhorio”, mas não obteve resposta. O presidente remeteu uma segunda via do apelo ao que o proprietário que assumiu a obra, para executar “quando o mestre-de-obras lá estivesse, mas o mestre já me disse que não tem autorização”.

Depois de ter perdido 95% da visão, Irene tornou-se mais uma vítima dos inúmeros obstáculos impostos à população invisual, entre eles “os buracos”, as assimetrias dos passeios “de quando se fez o alargamento da rua”, a má sinalização e “os cocós de cão”, sendo que os últimos “já não são da responsabilidade da Autarquia”... Contactado pelo JB, o proprietário do imóvel declarou não saber do que o assunto se tratava, “está-me a dar uma novidade”, referiu.

Jornal do Bairro, Edição 8, 11 Maio 2006