11.2.08

Jorge Palma ao rubro no Seixal
SONHAVA TER UMA AVIONETA E VOAR...

Na noite de 25 de Janeiro, o Auditório Municipal do Seixal contou com um espectáculo de Jorge e Vicente Palma. Pai e filho foram recebidos de braços abertos e com a lotação esgotada, como seria de esperar numa fase em que as rádios nacionais dão a mão à palmatória e não se cansam de passar a novíssima canção “da moda”, ‘Encosta-te a Mim’.

Há muito que as melodias de Jorge Palma são presença em serões dedicados ao canto e à viola, entoados por admiradores anónimos que lhe imitam as composições.


Depois de dez discos editados, chegou a consagração do artista. “Não esperava este sucesso”, confessou, mas a verdade é que o seu álbum mais recente, ‘Voo Nocturno’, foi-se impondo na tabela nacional acabando por se tornar, (finalmente) no primeiro disco de platina de uma longa e conturbada carreira.


‘Encosta-te a mim’ está em altas, tão altas que “de ouvi-la estou um bocadinho farto”.


Se o público que acolheu o clã Palma, no Seixal, foi à espera de ouvir a interpretação integral de ‘Voo Nocturno’ saiu do espectáculo decepcionado.


Jorge, igual a si próprio, optou pelas músicas que guarda no saco das recordações e que se revelam autênticos tesouros. ‘Só’, ‘Frágil’, ‘Dá-me Lume’ ou ‘Lobo Malvado’ foram as mais aplaudidas, contando mesmo com um momento de amnésia em que o público lhe emendou a ‘Valsa de um Homem Carente’ ou outro, em que se decidiu a recomeçar o ‘Centro Comercial’: “Vamos lá fazer isto outra vez” e entre risos e aplausos, voltou ao início da dança.


Vicente cantou, passou pela viola e pelo piano provando o que já diz o ditado, “filho de peixe sabe nadar”.


Palma viu-se obrigado a regressar ao palco, uma e outra vez. Saiu com uma promessa, cantando ‘A Gente vai Continuar’.

“Aconselho a toda a gente ir para a estrada antes dos 50”

Novato em aclamações de tamanha euforia, a verdade é que “a música faz parte do meu quotidiano, faz profundamente parte de mim”, explicou, afinal “esta brincadeira já vai longa”...


Jorge Palma conta com uma larga experiência de música e de vida, tal puzzle em constante renovação, que pouco a pouco o tornou no homem e artista que hoje é. Boémio e aventureiro, recusou-se a ir para o Ultramar, exilou-se na Dinamarca e depois do 25 de Abril de ’74 chegou a pegar na guitarra e a rumar a Espanha, de viola às costas, sozinho. A ocasião não só foi marcante como “aconselho a toda a gente ir para a estrada antes dos 50. Pegar na guitarra, passear e conhecer pessoas”, declarou.


Depois de ‘Deixa-me Rir’, também a música ‘Encosta-te a Mim’ faz parte do genérico de uma telenovela. Jorge Palma não se importa, “propuseram-me e eu achei bem, a música está na moda e é adaptada a uma novela da moda”.


“Sei que não sei às vezes entender o teu olhar são realidades”, tal como as são as suas fontes de inspiração mais terra-a-terra do que muitos poderiam esperar, “muitas vezes a minha inspiração surge de livros, de filmes ou de situações... esta música foi escrita em casa, uma imagem puxa a outra, o Mundo, o terrorismo, - recebe esta pomba que não está armadilhada”, eis a súbtil sugestão da cantata...


O Jornal do Seixal ouviu, cantou, assobiou e acabou por ir até aos camarins fazer uma curta entrevista ao artista que estava já “um pouco cansado”, afinal as 2 horas de espectáculo prometido já tinham sido ultrapassadas.

“Já aprendi há muito tempo a não ter grandes expectativas, a não fazer grandes prognósticos”

De que forma é que este seu 11º disco de originais, “Voo Nocturno”, se relaciona com a obra de Saint-Exupéry, autor de “O Principezinho”?

Na minha adolescência li o livro “Voo Nocturno” *, escrito por Saint-Exupéry. O “Voo Nocturno” é um romance muito realista do que era a aviação nos anos 30. É empolgante, desde que li aquele livro que fiquei com o sonho de ter uma avioneta e voar. Como não tenho avioneta, vou voando (risos)...

Apesar da sua vasta obra, foi com este álbum que conseguiu o primeiro disco de platina. Para além do reconhecimento, esta consagração também acarreta maiores responsabilidades...
Um bocadinho, mas não vou ficar muito preocupado porque muito possivelmente o próximo trabalho não vai ter o “boom” que este teve e já aprendi há muito tempo a não ter grandes expectativas, a não fazer grandes prognósticos... Vou continuar a fazer aquilo que me apetece, o melhor que posso. Se não tiver o mesmo sucesso, o que é muito natural, talvez o seguinte tenha.

Um instrumentista com o seu percurso não se sente aborrecido quando tem de repetir, concerto após concerto, as canções que estão constantemente a passar na rádio?
Não, porque de um modo geral não faço duas interpretações iguais. E depois, porque quando eu faço coisas e as deixo sair cá para fora são coisas que me honram, das quais não tenho vergonha. Quando as transmito, quando as canto e as toco já passaram pelos filtros todos, são músicas das quais gosto mesmo. Quer dizer... se as tiver de cantar todos os dias – isso agora está a acontecer um bocado (risos) – mas como já tenho algumas canções...
Algumas delas são obrigatórias, mas vou variando porque não as posso tocar a todas. Às tantas, quando entro naquela, “vou cantar esta” ou “vou cantar a outra” passaram 2 horas e claro, não tenho físico para passar as noites assim...

Sabemos que Zeca Afonso ou Sérgio Godinho são algumas das suas referências musicais. Ainda há necessidade de abanar o mundo com canções de intervenção?
Penso que é necessário estarmos presentes e atentos ao mundo onde vivemos. Não só na nossa casa ou nosso bairro, mas numa era em que temos acesso, teorica e aparentemente, a todos os cantos do mundo...
Também é verdade que nos são dadas a ver algumas coisas, não tudo, há uma certa manipulação e isso sabe-se, é perceptível.
Acho que sim, que temos a obrigação de dizer o que nos vai na alma e o que é que pensamos sobre as coisas. A maneira de o dizer não precisa de ser em panfleto, pode ser dito nas entrelinhas. Isso é uma coisa que se aprendeu bastante no tempo de Salazar e é um bom exercício: não é preciso escancarar, preto no branco, pode-se passar a mensagem mais subtilmente e até penso que dessa forma resulta mais.

Este é um destino frequente do Jorge Palma e onde conta já com uma considerável legião de fãs. Para além da Festa do Avante, que outras memórias lhe traz o Seixal?

Muitas... ainda há bocado, quando cheguei, estava a dizer ao Vicente, o meu filho mais velho, que a minha mãe adorava vir aqui comigo almoçar. São tantos anos e tenho vindo cá tantas vezes almoçar, passear... quando venho à Festa do Avante também...

O Seixal é um sítio muito agradável.

* Antoine Saint-Exupéry nasceu em França em Junho de 1900 e veio a morrer 44 anos depois, algures sobre o Mar Mediterrâneo. O vasto espólio literário que deixou é feito em tempos de guerra mas repleto de mensagens humanistas, optimistas, cheias de amor, de paz, de liberdade e claro: com deliciosas histórias de aviação à mistura. Exupéry trabalhava como aviador, foi considerado um bom piloto e forte opositor do regime nazi, no entanto, viria a notabilizar-se como escritor. “O Aviador”, “Correio do Sul”, “Voo Nocturno”, “Terra dos Homens”, “Piloto de Guerra”, “Ilusões” ou “O Principezinho” foram algumas das edições traduzidas para várias línguas e que têm dado asas para sonhar a leitores espalhados pelos 4 cantos do mundo.

Jornal do Seixal, edição nº. 33, 9 Fevereiro 2008