Durante cerca de quatro dias, António Matos passou cada uma das oito horas de trabalho fechado numa sala, sem trabalho, sem electricidade, com apenas uma secretária e uma cadeira para se sentar, sendo que ao fundo do corredor se podia servir de uma casa de banho que não dispunha de água.
A pressão imposta a António Matos foi tal, que apesar dos quase 23 anos de casa (que faria em Agosto) na empresa Teodoro Gomes Alho (TGA), sedeada em Sesimbra, António Matos acabou por ceder à pressão imposta e assinar o despedimento por mútuo acordo.
A denúncia surgiu na sequência de notícias anteriores publicadas no Jornal Nova Morada e
que chegaram a ser alvo de desmentido por parte da empresa.
Saliente-se que a questão atingiu tais proporções que já foi, inclusive, levada à discussão à Assembleia da República.
Nesta edição trazemos a lume o clima de pressão contado na primeira pessoa pelonex-trabalhador da Teodoro Gomes Alho, uma casa do sector da construção civil e obras públicas que vai já com 63 anos e é reconhecida não só na região, como a nível nacional e no estrangeiro.
“Tentei defender o meu posto de trabalho até à última”
Com os aborrecimentos evidentes numa empresa cujos cantos conhece quase como a palma da mão, António Matos foi funcionário da TGA durante duas dezenas de anos. Culpando a ‘crise’, a TGA impôs aos seus trabalhadores a assinatura de um documento em que os mesmos deviam autorizar o não pagamento de horas extras a efectuar a partir do mês de Março de 2010.
Muitos dos funcionários, alguns há mais de uma dezena de anos, bateram o pé, denunciaram a situação ao Sindicato e iniciaram uma luta que viria a gerar todo um clima de tensão interno e mediatismo que se reflectiu em fortes pressões para com os trabalhadores.
António Matos foi um dos quatro perseguidos e que há cerca de um mês estava em negociações com a entidade patronal tendo em vista o despedimento por comum acordo.
Os fatídicos dias que o funcionário passou na nova ‘cela laboral’ foram o seu limite, “as pressões eram bastantes e não havia outra solução, mas tenteidefender o posto de trabalho até à última”, declarou.
Foi de dentro dessa sala sem electricidade, através de um computador portátil (ligado a bateria, já que ali não havia electricidade), que António Matos conseguiu denunciar a situação à ACT (Autoridade para as Condições de Trabalho).
Acabou por assinar a documentação que a empresa lhe apresentou, garantindo o subsídio de desemprego e a indemnização de 30 dias por ano de serviço sobre o vencimento, prémio de assiduidade e isenção de horário.
Actualmente, o seu posto de trabalho “já foi ocupado por uma funcionária mais nova”, o que foi possível porque o trabalhador assinou o despedimento.
Com 48 anos, esta foi a entidade patronal para a qual António Matos sempre trabalhou. Junta-se à esposa no desemprego, mantendo a seu encargo dois filhos,
um estudante universitário, outro no Ensino Secundário.
“Não sou sindicalista,sou sindicalizado!”
Mais tarde, Matos Gouveia terá lido uma ‘newsletter’ interna onde os trabalhadores sindicalizados eram chamados de “ovelhas negras”, que “ainda seriam desmascaradas”.
“Ouvi dizer que fui perseguido por ser sindicalista”, explicou, “mas não sou sindicalista, sou sindicalizado! Nunca conheci nenhum sindicalista na empresa,
mas mesmo que o fosse não seria crime nenhum”…
Tudo aconteceu numa quintafeira em que “a administração chamou quatro trabalhadores e
informou-nos que nos seria retirada a isenção de horário”. Os quatro resistiram, não assinaram o documento e foram mandados para casa. Só um deles deverá aceitar as condições, que entretanto foram alteradas, e se deve manter em funções na empresa.
O seu caso “foi o mais extremo”, mas os antigos colegas de trabalho partilham agora o drama do desemprego, um encarregado geral com 25 anos de casa e um mecânico com 28 ou 29. O último está tão revoltado “que disse que vai devolver a medalha que lhe foi entregue pela empresa no almoço de Natal”.
No seu entender, “a empresa não tem noção das nossas idades e não tem em consideração o drama social que hoje se vive”.
“Há ali tantos sinais vivos de riqueza e cortam os direitos à rapaziada!”
Em alguns sítios da internet visualizam-se anúncios de emprego para postos de trabalho disponíveis na TGA em Sines e Beja.
Já em Sesimbra, está instaurado um clima de medo, “a empresa disse que não paga horas
extraordinárias e chegou mesmo a ameaçar cortar os prémios de produtividade e transformá-los em bancos de horas”. Quem não cumprir ou se manifestar contra,
segue para a referida lista das “ovelhas negras”…
Se acredita que a empresa está realmente numa má condição financeira? “Não acredito que esteja em risco, penso que ali há uma má gestão de recursos”, o que é visível ao olhar para o parque automóvel da empresa, “têm topos de gama, Porshes, eles nem
sequer fazem por disfarçar os luxos que têm”…
Segundo fonte na Teodoro, esta Páscoa os responsáveis da empresa terão ido passar as férias da Páscoa às Caraíbas, coisa que Matos Gouveia não confirma ou desmente, “porque já lá não estava, mas em Dezembro um dos rapazes casou e foi fazer a despedida de solteiro nos estados Unidos da América”.
Foi com algum receio que Matos Gouveia fez o seu depoimento, “receio de ao denunciar vir a sofrer represálias”. Os seus 50 anos são um obstáculo para conseguir um
novo emprego, mas para além das pressões de que foi alvo, outra revolta o
consome: “como é que há ali tantos sinais vivos de riqueza e cortam os direitos à rapaziada?”.
As Ovelhas negras
Na newsletter da TGA, à qual o Nova Morada teve acesso por via de outra fonte, o presidente do Conselho de Administração da empresa, Teodoro Alho, reafirma o “bom relacionamento entre todos os colaboradores (…) e costumamos dizer que são almoços
da família TGA”.
Pouco depois, Teodoro Alho indica que “como em todas as famílias há sempre ovelhas negras, conjuntamente com alguém do sindicato”, que “quiseram desferir na nossa empresa através de panfletos do sindicato e com comunicado de pasquim ao serviço”.
O documento conclui com “àqueles que são cobardes, que não dão a cara, que estão na sombra, aconselhamos a procurarem outra empresa onde se sintam bem, porque mais tarde ou mais cedo serão desmascarados”.
Por coincidência na mesma semana o jornal Sesimbrense, que numa carta ao nosso
jornal foi exemplificado, como “um jornal Democrático,” fundado por Teodoro Gomes
Alho. O administrador faz uma entrevista promocional da sua empresa, como um exemplo de resistência à crise e salvaguarda dos postos de trabalho, justificando prejuízos na empresa por culpa dos Polacos, dos franceses e outros.
Jornal Nova Morada, edição 386, Abril de 2010