24.8.09

PAI JOÃO, TRANSMISSOR DO ORIXÁ

Controverso, pouco místico e sem papas na língua. Assim é Pai João, residente no Fogueteiro e que tenta desmistificar o Umbanda e o Candomblé, uma Religião desconhecida do público em geral e por isso muitas vezes falada em sussurro e no maior secretismo.

No início de Julho, o Jornal do Seixal assistiu à cerimónia de saída de um novo Yaô do barracão do Pai João. O espaço estava enfeitado em tonalidades azuis e brancas e sem assistirmos a qualquer espécie de bruxaria, mas a uma alegre festa ao ritmo de percussão africana, ficámos a conhecer melhor essa Religião e muitos dos seus intuitos. O seu principal objectivo? Respeitar a natureza e levar amor (e mantimentos) para onde existe miséria, afinal “a miséria aflige-nos muito”…

Jornal do Seixal - Quem é o Pai João?
Pai João – O Pai João é uma pessoa simples, humilde, não me posso considerar guia espiritual e que tenta desmistificar Umbanda, Candomblé e o que é a makumba em si.

JS – Que Umbanda e Candomblé são esses que quer desmistificar?
PJ – Umbanda acredita no secretismo religioso e Candomblé não, este acredita nos Orixás. Em toda a Umbanda existe o Orixá Exu e a Pomba Gira, mas as nossas Pombas Giras vêm vestidas até ao pescoço, nada de pouca-vergonha… Tanto Exu como a Pomba Gira são os emissários, escravos do próprio Orixá e trabalham directamente para ele, transmitindo as suas mensagens, porque os Orixás não falam…

JS – Para o público em geral, os Orixás são um grupo musical. O que são tradicionalmente, na sua religião?
PJ – Orixás são forças vivas da própria natureza. Cada Orixá está ligado a um elemento. Por exemplo, Lemanjá – de quem eu sou filho – a dona das Águas, senhora e dona de tudo o que aparece… eu não posso incorporar uma onda do mar, eu posso incorporar uma vibração! “Ori” significa “cabeça”, “xá” quer dizer “guardião”. Um Orixá é um guardião da nossa cabeça.

JS – Existe um grande misticismo na figura de um Pai de Santo. Qual é o seu papel?
PJ – Um Pai de Santo é um transmissor do Orixá, um guia, um médium chefe da casa que destina os trabalhos que existem – makumbas - quando existem karmas demasiado pesados, para aliviar as pessoas.

JS – Como é que surgiu o interesse por esta Religião?
PJ – Desde miúdo. Fui filho da Virgínia Albuquerque – Filho de Santo – preparado desde o início para ser Pai de Santo, algo que eu não queria e que sempre rejeitei, porque pensava que dentro da anormalidade que é o sistema em que estamos inseridos, eu queria ser uma pessoa completamente normal. Pensava que tudo isto era uma grande anormalidade, mas não é… respeitar a natureza ou o equilíbrio ecológico… se poluímos um rio, Exu não mora nesse rio! O próprio aparecimento de tudo, de onde vimos e para onde vamos, fez com que eu tentasse aprofundar todo o conhecimento que tenho hoje.

JS – A sua vida mudou desde que se tornou Pai de Santo?
PJ – Um pouco… não como homem, mas possivelmente como pessoa. Eu não acredito que as religiões mudem o carácter das pessoas, dá-lhes é outro invólucro, outra embalagem e outra maneira de pensar. Eu acredito que tem de haver uma força superior para conseguirmos ultrapassar muita “porcaria” que acumulamos em nós próprios.

JS – Consegue separar a sua vida dita normal da espiritual, ou elas estão interligadas?
PJ – Não se consegue, porque eu sou um só e não me posso dividir em dois. Muitas vezes levo para casa problemas de pessoas: fome, miséria espiritual, prostituição, droga… todo o tipo de miséria que nos aflige e sem dúvida, os sem-abrigo! O próprio Pai João, de Angola, diz: “olhem esta multidão que entra e sai” e esses são os carenciados… é por isso que o terreiro faz caridade!
JS – Qual a próxima acção de caridade?
PJ – No próximo sábado vamos distribuir alimentação aos sem-abrigo. Nada se desassocia! Um Pai de Santo não se pode abstrair, em nenhuma das 24 horas, de um problema que se passe à volta dele, tanto com Filhos de Santo como no mundo exterior. A miséria aflige-nos muito…

JS – Uma das suas missões é ajudar o próximo…
PJ – Como qualquer Pai de Santo devia fazer… Nós temos de comer do nosso altar, não podemos enriquecer à conta dele! Não podemos sequer levar os milhões que muitos levam por acudir as pessoas, umas que estão a morrer, outras que estão aflitas e outras que necessitam de uma ajuda espiritual. Temos de lhes dar um toque nas costas para elas perceberem “eu estou viva, eu valho alguma coisa”! Conheço muitos terreiros onde as Pombas Giras pedem ouro, mas o próprio Orixá não sabe o que é isso!

JS – O Pai João conta com o apoio constante da sua esposa… Isso dá-lhe alento para prosseguir?
PJ – Sim, aliás, antes de ser minha esposa foi minha cliente. Mas primeiro está o meu Orixá: onde há miséria, onde há desgraça e onde esteja alguém que precise da minha mão. Só depois está a minha família: esses têm onde comer e onde dormir!
Se olharmos à nossa volta e vermos uma pessoa agarrada à droga e à beira do abismo, temos de lhe dar a mão. Se não lhe dermos a mão, somos cobardes! Mais uma vez lhe digo: há meia dúzia de filhos da mãe que só olham ao dinheiro!

JS – Fale-nos da cerimónia a que assistimos, da saída do novo Yaô!
PJ – A partir daquele momento tornou-se Yaô e dentro de um ano passará a ter uma nova designação: Filho de Santo.
Nessa cerimónia ela saiu com as cores do próprio barracão. A primeira saída foi a saída da esteira, a segunda foi a saída do Oxalá (um dos mais respeitados Orixás do Panteão Africano), restando a terceira saída, do Yansá.

JS – Houve duas pessoas que se sentiram mal na cerimónia. Porquê?
PJ – Porque o próprio Orixá estava a rolar… quando há uma saída de duas filhas do mesmo Santo, o próprio Santo está a pedir feitura.

JS – No final, o momento emocionante em que uma mulher agradeceu a sua ajuda. Pode-nos dizer o que é que foi feito por ela?
PJ – Não, não gosto...

JS – Quantas pessoas estão ligadas a si espiritualmente?
PJ – Neste momento tenho 50 Filhos, estou a considerar os que actualmente vêm ao barracão.

JS – Muitas pessoas associam makumba a bruxaria. O que é a malumba?
PJ – A makumba é a arte que eu tenho de dançar para o meu Orixá. O makumba não está ligado à prática magia negra, nós desmanchamos sim a magia negra. Tentamos alisar o caminho do destino que a pessoa traz e explicamos à pessoa o fim da vida e o fim da morte, a lei do Karma e a lei da reencarnação, a lei de tudo o que nos cerca, de onde vimos, para onde vamos e qual o caminho a seguir. Se pôr uma pessoa a pensar é makumba, eu gosto de ser makumbeiro!

JS - A makumba acarreta sacrifícios de animais?
PJ – Sim, por vários motivos, já que estamos numa de desmistificar… Existe o Ejé, que é sangue, o Ejé vegetal e o Ejé animal e é através dele que se faz o pacto entre o Orixá e a própria pessoa. Eu costumo dizer que sem ervas não há Orixá e sem Orixá não há ervas, esse é o Ejé vegetal. O Ejé animal é o que faz circular nas nossas veias tudo o que somos. É preferível sacrificar um animal que nos foi dado por Olorum para que nos possamos servir dele, do que sacrificar uma pessoa à morte. Mas não podemos sacrificar demasiadamente os animais, para não pôr a espécie em perigo.

“Amarrações não faço (…) pela lei do coração, ninguém pode prender nem amarrar..:”


JS – Quem é que o pode procurar?
PJ – Todas as pessoas. Amarrações não faço, por vários motivos: pela lei do coração ninguém pode prender nem amarrar. Certas pessoas que tentam roubar o marido eu mando-as passear, porque isso não pode existir no barracão!

JS – O Pai João consegue ver o passado e o futuro nos búzios?
PJ – Cada búzio representa um Odú, eles são 16, em cada Odú fala um Orixá e cada Orixá tem um Filho e depois é a mediunidade da pessoa que consegue a própria interpretação.

JS – Esta é uma Religião mais africana ou brasileira?
PJ – A religião foi levada para o Brasil pelos escravos africanos. É por isso que não acredito no secretismo religioso. Quando dizem que cada Orixá representa um Santo da Igreja Católica, é mentira. Quando o escravo chegava, o dono não acreditava sequer no Orixá e castigava-o no tronco. Assim, os africanos começaram a fazer um buraco, a pôr uma estatueta e começaram a adorar aquilo…

JS – Concluímos com destaque para o “além”… acreditam na vida eterna?
PJ – Acreditamos na vida eterna, na lei do karma e tentamos reencarnar tantas vezes quanto forem necessárias para atingir a perfeição.
Não acreditamos no céu dos pardais, que é barriga de gato. Não quero, não posso nem devo acreditar na Igreja Católica, num Deus que faz a guerra, que tem a mediocridade de ter como Cavaleiro do Apocalipse um nazi, vindo de uma Segunda Guerra Mundial onde mataram milhões em nome de uma porcaria qualquer, que está num palácio de ouro, sentado numa cadeira de ouro, com uma bengala de diamantes e à volta dele tanta fome e tanta miséria…
A figura de Jesus tem tantas irregularidades que nos irrita solenemente… é muita cegueira de espírito, para tentar governar meia dúzia de gulosos, charlatões e aldrabões.

Jornal do Seixal, 13 de Agosto de 2009